quinta-feira, 10 de julho de 2014

Uma abordagem “à brasileira” de Ciência e Tecnologia sobre a Copa do Mundo 2014: comparação Brasil-Alemanha


O Brasil é a pátria de chuteiras. Há décadas, brasileiros de todas as etnias, credos, classes sociais e regiões inovaram e inovam, contruindo o esporte mais popular do planeta. Tivemos craques como Leônidas, Garrincha, Pelé, Zico, Sócrates, Romário, Ronaldos e Neymar, coisa que nenhum país teve. A referência brasileira no esporte profissional é tão forte que todos no mundo nos conhecem pela habilidade com a bola nos pés e pelo nosso fanatismo.

Antes éramos semelhantes aos norteamericanos no basquete: tínhamos “dream teams”, times imbatíveis, que derrotavam qualquer outro país com os pés nas costas... Porém, desde 1982 temos assistido uma evolução técnica e tática de outras seleções que paulatinamente vieram reduzindo essa diferença.

No momento que escrevo ainda não ocorreu a final da Copa, a Argentina poderá ser a campeã, mas a Alemanha conseguiu uma façanha indiscutível ao derrotar o Brasil em casa na semifinal. Ainda mais com aquela goleada histórica, de 7x1... Estupefação que gera curiosidade, afinal como a Alemanha acabou com a seleção brasileira em 10 minutos de jogo? Parece que um Panzer passou sobre nós! Assim, independentemente de quem for campeão,  acredito que nessa Copa foram quebrados alguns paradigmas.

O primeiro deles é aquele proporcionado pela natureza, pelo clima, pelo mando de campo, pela superioridade da miscigenação brazuca e pela pressão da torcida canarinho. Os times sulamericanos ganhavam quando a Copa do Mundo era fora da Europa. Os europeus ganhavam a Copa quando ela ocorria em seu continente. A única exceção havia sido a Copa da Suécia, em 1958. É possível que a Argentina consiga segurar a Alemanha no tempo normal e que seu super-goleiro ganhe dos jogadores alemães, porém assim como a Laranja Mecânica não foi campeã em 1974, o paradigma da força da sede de mundial foi superado pelos teutônicos.



A segunda ruptura de paradigma é o uso intensivo da ciência e da técnica no futebol. A Alemanha é reconhecida pela rigidez, disciplina e profissionalismo no futebol. Sua frieza e racionalidade derrotaram húngaros, holandeses e agora, brasileiros. Mas o que chama a atenção foram as inovações técnicas, táticas, estratégicas e do uso de conhecimentos empresariais até então pouco explorados no esporte.
Elas começam pelo conhecimento pleno do território. Assim como defendia Sun Tzu, a definição e o conhecimento do terreno é essencial. Isso se percebe pela escolha do litoral baiano para treinamento e a adaptação da seleção ao clima brasileiro. Escolha acertada para um time europeu que jogaria todas as suas partidas no nordeste brasileiro.

O Planejamento Estratégico elaborado pela federação alemã de futebol é impressionante. A autocrítica sobre o futebol jogado pelos alemães até os anos 1990 e que foi contada em entrevista do ex-craque Paul Breitner, retrata a mudança de padrão de jogo desde as divisões de base até a seleção e demonstra que o futebol deixa de ser somente paixão, improviso e criatividade, passando a ser ciência, técnica, propaganda e capital.

Chama atenção outra entrevista, da DW, sobre a internacionalização do futebol. Vários jogadores têm descendência ou até origem em outros países, como Polônia e Gana. Esta postura combina com procedimentos empresariais corporativos transnacionais, porém muito além de outros países europeus, como Espanha e Inglaterra. É um processo que amplia a capacidade e a variação do futebol de lá, internalizando talentos de forma articulada. Poderemos ter cada vez mais exemplos como os do Messi, que sequer jogam no país de origem e vão direto para a Europa.

Agora, uma das coisas que mais impressiona na cientifização do futebol alemão e a interação futebol-universidade. A notícia da UOL mostra que os antigos olheiros, agora estão articulados a pesquisadores e, se duvidar, a estatísticos, matemáticos e outros membros da comunidade científica. A quantidade e a qualidade das informações dão aos tomadores de decisão, sobretudo ao técnico e assessores, condições de mapeamento e táticas de jogo antes distantes de quem está no gramado. Por mais que não ganhe o jogo, dá maior previsibilidade para armar a equipe para jogar e diminui as surpresas. A cadeia produtiva do futebol agora se comporta na Alemanha como força produtiva intensiva em mão de obra, mas cada vez mais intensiva em conhecimentos.

E aí entra a questão: o Brasil não tem cultura de inovação. Somos ótimos em trabalhar com imprevistos, improvisos e com a criatividade. A engenharia reversa que fizemos a partir de 1990 deu alguns resultados, apesar daquele futebol feio e europeu. O problema é que o novo padrão estabelecido pela Alemanha exigirá muito mais de nós. Provamos que podemos fazer qualquer evento internacional de porte, mas teremos de reestruturar profundamente o futebol. E precisaremos inovar para isso.

Ter uma CBF profissionalizada, honesta, articulada à comunidade científica, trabalhando com política pública de esporte e lazer, investimento em divisões de base e na regionalização do futebol, com planejamento estratégico e política de internacionalização são os caminhos que teremos de trilhar nos próximos anos para podermos ter competitividade no futuro.

Ou ficaremos como o meu Guarani FC, Flamengo ou congêneres: ultrapassados e quebrados. Parece ser um bom exemplo até para o setor produtivo brasileiro. Ou se inova ou vira importador de bugigangas do Oriente...

E torço para a Argentina nesta final! rs

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