O Brasil é a pátria de chuteiras. Há décadas, brasileiros de
todas as etnias, credos, classes sociais e regiões inovaram e inovam,
contruindo o esporte mais popular do planeta. Tivemos craques como Leônidas,
Garrincha, Pelé, Zico, Sócrates, Romário, Ronaldos e Neymar, coisa que nenhum
país teve. A referência brasileira no esporte profissional é tão forte que
todos no mundo nos conhecem pela habilidade com a bola nos pés e pelo nosso
fanatismo.
Antes éramos semelhantes aos norteamericanos no basquete:
tínhamos “dream teams”, times imbatíveis, que derrotavam qualquer outro país
com os pés nas costas... Porém, desde 1982 temos assistido uma evolução técnica
e tática de outras seleções que paulatinamente vieram reduzindo essa diferença.
No momento que escrevo ainda não ocorreu a final da Copa, a
Argentina poderá ser a campeã, mas a Alemanha conseguiu uma façanha
indiscutível ao derrotar o Brasil em casa na semifinal. Ainda mais com aquela
goleada histórica, de 7x1... Estupefação que gera curiosidade, afinal como a
Alemanha acabou com a seleção brasileira em 10 minutos de jogo? Parece que um
Panzer passou sobre nós! Assim, independentemente de quem for campeão, acredito que nessa Copa foram quebrados alguns
paradigmas.
O primeiro deles é aquele proporcionado pela natureza, pelo
clima, pelo mando de campo, pela superioridade da miscigenação brazuca e pela
pressão da torcida canarinho. Os times sulamericanos ganhavam quando a Copa do
Mundo era fora da Europa. Os europeus ganhavam a Copa quando ela ocorria em seu
continente. A única exceção havia sido a Copa da Suécia, em 1958. É possível
que a Argentina consiga segurar a Alemanha no tempo normal e que seu
super-goleiro ganhe dos jogadores alemães, porém assim como a Laranja Mecânica
não foi campeã em 1974, o paradigma da força da sede de mundial foi superado
pelos teutônicos.
A segunda ruptura de paradigma é o uso intensivo da ciência e da técnica no futebol. A Alemanha é reconhecida pela rigidez, disciplina e profissionalismo no futebol. Sua frieza e racionalidade derrotaram húngaros, holandeses e agora, brasileiros. Mas o que chama a atenção foram as inovações técnicas, táticas, estratégicas e do uso de conhecimentos empresariais até então pouco explorados no esporte.
Elas começam pelo conhecimento pleno do território. Assim
como defendia Sun Tzu, a definição e o conhecimento do terreno é essencial.
Isso se percebe pela escolha do litoral baiano para treinamento e a adaptação
da seleção ao clima brasileiro. Escolha acertada para um time europeu que
jogaria todas as suas partidas no nordeste brasileiro.
O Planejamento Estratégico elaborado pela federação alemã de
futebol é impressionante. A autocrítica sobre o futebol jogado pelos alemães
até os anos 1990 e que foi contada em entrevista do ex-craque Paul Breitner,
retrata a mudança de padrão de jogo desde as divisões de base até a seleção e
demonstra que o futebol deixa de ser somente paixão, improviso e criatividade,
passando a ser ciência, técnica, propaganda e capital.
Chama atenção outra entrevista, da DW, sobre a internacionalização
do futebol. Vários jogadores têm descendência ou até origem em outros países,
como Polônia e Gana. Esta postura combina com procedimentos empresariais
corporativos transnacionais, porém muito além de outros países europeus, como
Espanha e Inglaterra. É um processo que amplia a capacidade e a variação do
futebol de lá, internalizando talentos de forma articulada. Poderemos ter cada
vez mais exemplos como os do Messi, que sequer jogam no país de origem e vão
direto para a Europa.
Agora, uma das coisas que mais impressiona na cientifização
do futebol alemão e a interação futebol-universidade. A notícia da UOL
mostra que os antigos olheiros, agora estão articulados a pesquisadores e, se
duvidar, a estatísticos, matemáticos e outros membros da comunidade científica.
A quantidade e a qualidade das informações dão aos tomadores de decisão,
sobretudo ao técnico e assessores, condições de mapeamento e táticas de jogo
antes distantes de quem está no gramado. Por mais que não ganhe o jogo, dá
maior previsibilidade para armar a equipe para jogar e diminui as surpresas. A cadeia produtiva do futebol agora se comporta na Alemanha como força produtiva intensiva em mão de obra, mas cada vez mais intensiva em conhecimentos.
E aí entra a questão: o Brasil não tem cultura de inovação.
Somos ótimos em trabalhar com imprevistos, improvisos e com a criatividade. A
engenharia reversa que fizemos a partir de 1990 deu alguns resultados, apesar daquele
futebol feio e europeu. O problema é que o novo padrão estabelecido pela
Alemanha exigirá muito mais de nós. Provamos que podemos fazer qualquer evento
internacional de porte, mas teremos de reestruturar profundamente o futebol. E
precisaremos inovar para isso.
Ter uma CBF profissionalizada, honesta, articulada à
comunidade científica, trabalhando com política pública de esporte e lazer,
investimento em divisões de base e na regionalização do futebol, com
planejamento estratégico e política de internacionalização são os caminhos que
teremos de trilhar nos próximos anos para podermos ter competitividade no
futuro.
Ou ficaremos como o meu Guarani FC, Flamengo ou congêneres:
ultrapassados e quebrados. Parece ser um bom exemplo até para o setor produtivo
brasileiro. Ou se inova ou vira importador de bugigangas do Oriente...
E torço para a Argentina nesta final! rs
E torço para a Argentina nesta final! rs
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