quarta-feira, 15 de junho de 2016

Os Dez Mandamentos - A Universal, a disputa de hegemonia e novamente, um Novo Kane: Constantine neles... rs!



Eu já fui noveleiro. Criança, desde sempre, assisti passivamente muitas novelas. A primeira que me marcou foi "O Casarão". Lembrar daquela novela com várias fases de uma família, de um artista visual apaixonado por uma filha do fazendeiro e que faz uma escultura dela nua e era muito marcante. Na verdade, o que mais me marcou foi um velhinho, marido da moça, mexendo uma mistura de esterco numa banheira durante dias, anos, até morrer (crianças! rs). E o amor impossível, típico do romantismo dos séculos XIX e XX, é algo que sempre me estimulou... rs

Buenas, voltando ao presente, diria que fiquei mais de 10 anos sem esse vício. Fiquei longe dos capítulos, daquelas discussões inócuas, da mesmice daqueles capítulos que tem como único objetivo o lucro, além da pessoa perder centenas de horas em algo, banal, manipulativo, que pouco ou nada acrescenta.
Como ando anti-Globo (faz tempo), vi que a Record, propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus, estava oferecendo uma novela diferente, baseada na Bíblia.
Algo aparentemente muito legal. Primeiro, muitas pessoas sabem o que vai acontecer porque está na Bíblia. Sabe dos capítulos mais expressivos, tem um filme que ganhou muitas estatuetas no Oscar e sabe onde termina. Ou seja, você acompanha quando dá... É uma novela flexível, que você não precisa assistir todos os capítulos, mas que você olha os personagens periféricos e não tem compromissos de assistir todo o dia. Uma novela Netflix... rs
Segundo, porque arrebenta a audiência da Globo. Infestada de novelas de mesmices, conservadoras, reacionárias, manipulatórias e cada dia mais mundanas e insalubres, os títulos levaram a líder ao desgaste, ao mundo real e se tornaram pouco atrativas frente ao aumento do conservadorismo (estimulado pelo PIG) e à religiosidade.
Terceiro, a Universal conseguiu estourar a audiência do Jornal Nacional, arrebentou a Globo em 2015 e fez um fenômeno nas novelas, conseguiu um feito raro na história das últimas décadas. Veja aqui.
Quarto, fiquei impressionado com a continuidade do projeto. O filme, lançado no final de 2015, demonstrou uma capacidade de articulação produtiva no cinema, inspirado em Hollywood. Já tinha espectadores fiéis, que assistiriam automaticamente o filme, independentemente da qualidade. Afinal, era uma obra evangelizadora, que mostra a Bíblia em si. E amplia seus fiéis e sua influência...
Quinto, a capacidade de articulação de interesses com o Judaísmo.
 
Ao tratar do Primeiro Testamento, fica claro que a Igreja Universal tem interesses de médio e longo prazo e que sabe discutir com outros credos. A própria construção de um templo que procura copiar monumentos e templos de Jerusalém abre espaços de interlocução com a raiz judaica-cristã.
Sexto, o lançamento de espetáculo teatral baseado na novela será um sucesso de público. É óbvio, baterá recordes de público e abrirá novos espaços para o teatro no campo ecumênico.
Sétimo, a segunda temporada da novela introduz uma nova maneira de trabalhar séries, aproximando-as dos EUA. É raro, senão único, que novelas de primeira linha mudem de ano dessa maneira (exceto Malhação, que é uma escola de atores da Globo...).
Oitavo, após a novela, o jornal da Record posiciona o setor de notícias dentro do PIG, além de enfraquecer o Jornal Nacional. A Igreja Universal ganha peso na TV, além de legitimidade em alguns casos..
Nono, a Record abre um ramo de novelas de época, onde o conservadorismo moral pode se manifestar sem entrar em conflito com temas como machismo, racismo, homofobia e pervasa valores morais para seus fiéis e muito mais gente. Sem gerar ódio, mas por elaboração cognitiva óbvia. Muito mais eficaz que Bolsonaro. Faz isso até com uma espécie de simulacro da "Escrava Isaura", que assisti alguns capítulos quando chego cedo e que gerou até espaços para as mulheres negras. Claro, no século XIX ou anteriores, onde os valores morais são muito mais "rígidos"... #tradiçãoseletiva.

Décimo, depois dessa enrolação toda, digo que a Record/Universal tem um projeto concatenado, lógico, articulado melhor que a Globo de hoje e que pode representar culturalmente um retrocesso civilizacional tão eficaz quanto foi a Globo no século XX. A disputa de hegemonia está aberta no Brasil!

Uma opinião inicial é que precisamos ser como John Constantine: dividir as atenções entre vários demônios para poder sobreviver. Conversa Afiada nos ensina isso. Mas não demonizar como foi a Globo. Afinal, há contradições a serem exploradas entre os dois Satãs... rs