Estamos fazendo uma discussão sobre programa de governo para uma determinada cidade. Cidade do coração, Campinas, onde vivi muitos anos e luto para melhorar as coisas. Lá há a proposta de uma política pública já realizada na cidade de São Paulo, na gestão do companheiro Fernando Haddad: o Fab Lab.
Não conheci pessoalmente quando voltei a morar em Sampa, em 2015, mas a vi de fora, desinteressadamente. Achei do outro mundo, algo extra-sideral, com impressoras 3D, oficinas, mão na massa e libertador. Como estava trabalhando com outras coisas e era um ilustre desconhecido na Pauliceia Desvairada deixei quieto. Caminhamos caminhando.
Luta para lá e para cá, em 2019, estive em contato novamente com o Fab Labs, agora na Vila Itororó, no bairro do Bexiga, colado ao metrô São Joaquim, conjunto arquitetônico tombado pelo patrimônio histórico e onde há um poderoso centro cultural, com visitas orientadas, cursos de dança, oficinas, culinária e tantas outras coisas. O texto de Cassino (clique) é muito interessante nesta descoberta.
Olhei e me senti em casa. Bancadas, furadeiras, espaço livre, pronto para brincar! Um lugar que me lembrava a adolescência, na antiga Escola Técnica Federal, atual IFSP, onde fiz o curso de técnico em mecânica, aprendendo tornearia, fresa, solda, ajustagem, retífica e tantas outras máquinas e técnicas malucas. Algo que é lúdico, além de ser instrumento de formação técnica e pessoal. Adorei!
Voltando dessa descoberta, uma crítica é óbvia. Ao “abrir o seu objeto”, sua apropriação é universal, pelas direitas e pelas esquerdas. A simples apropriação pelos tucanos do programa é porque a socialização, o processo de sensibilização para a C&T ocorreu no MCT desde os anos 1990 e segue uma lógica de neutralidade no neoliberalismo.
O que é muito bom para a incorporação de amplos contingentes, porém tem a dificuldade de orientação para desempregados, precarizados e públicos que buscam o trabalho decente na população economicamente ativa (PEA) em tempos pós-pandêmicos. Pode servir ao que o pessoal do IFCH UNICAMP chama de “confluência perversa” (clique), ou seja, usam a política para aprofundar a desigualdade, manipular e deixar tudo como está, mesmo tendo sido criado para propósitos progressistas e transformadores.
Fonte: UOL
Voltando ao programa de governo, pessoas estão defendendo a introdução dessa política no programa de governo. Aí acendeu a luz amarela, de advertência. Achei que aquilo não era necessariamente bom. Por que?
Houve a apresentação do Fab Lab, criado no Massachusetts Institute Technology (MIT), universidade top ten ianque, poderosa na questão tecnológica em nível mundial e com uma lógica bastante interessante. Porém, a ressalva vem de que a C&T norte-americana é única no mundo. Investimentos em inovação, pesquisa e desenvolvimento, além da C&T, têm mais de U$300 bilhões de orçamento anual, cerca de mais de dez vezes o que temos de orçamento para o SUS no Brasil. O ofertismo linear era forte lá (ver implicações para o Brasil aqui), o que não é possível em outros países do mundo.
Contudo, sua metodologia é muito atraente. Uma lógica que é análoga à lógica do movimento punk expressa pelas palavras: “do it yourself” (faça você mesmo).
(Parênteses no texto para a cultura rockeira: em plena crise criativa, o rock mundial estava entrando nos anos 1970, em um marasmo do rock progressivo dos anos 70, elitizado, meritocratizado, tentando se aproximar da música clássica e afirmando que quem era do rock era uma espécie de Deus, superdotado, virtuose, técnico e acima de todos os mortais.
Chegou o movimento punk, a partir do New York Dolls, dos Ramones, foram tocar na Inglaterra e encontraram uns caras malucos, futuros formadores de bandas como Clash e Sex Pistols (the great rock and roll swindle) e gerou um movimento de negação, uma antítese ao rock progressivo, ao heavy metal, à música clássica no rock e que dizia que qualquer um poderia ter sua própria banda e não precisava nem saber tocar instrumentos, cantar. Um movimento democratizante e socializável nas artes.
Aquilo gerou um movimento antitético maluco, catártico e que renovou o rock com milhares de novos artistas e bandas como um todo, em todas as suas vertentes e mesmo com poucos anos de auge tem impacto até hoje. Sínteses foram geradas a partir do punk. Até na tecnologia... rs
O fato é que o “do it yourself” se aproxima muito do que Paulo Freire propunha na Educação. Logo, essa metodologia é muito poderosa.)
O Fab Lab é bacana. Por ter uma essência punk, ela balançou o coreto ianque e anglo-saxão. Terra em que a idiotização da população norteamericana foi profunda, gerar o caos criativo proporcionou descobertas, avanços e estimulou a criatividade. Coisas como as que ocorreram em San Francisco, Silicon Valley, com bandas como Dead Kennedys, Metallica e as empresas de tecnologia de informação, como os primórdios da Apple e da Microsoft, são exemplos.
Boa parte da revolução técnico-científica em informática ocorreu numa atmosfera de contracultura, com estudantes universitários em suas garagens, inovando, criando softwares, hardwares, muitos com seu underground estabelecido como regra. As universidades tiveram seus “fab labs” em casa.
Voltando ao Brasil, ao programa de governo de uma determinada cidade, isso seria uma loucura. Por quê? Porque estamos em uma pandemia, que em sua saída terá quase a metade da PEA em desalento, precarizada ou “aposentada”, sem função definida. Os recursos de uma administração pública poderão estar em risco, dada a possibilidade de redução na arrecadação devido à crise econômica. Logo, gastar em políticas públicas não orientadas pode ser um risco em si.
Assim, o Fab Lab pode ser, se for bem dosado, aplicado e orientado, algo muito bom para estimular a criatividade, a solidariedade e utilizar a inteligência individual e coletiva para o bem estar da comunidade. Ou ser simplesmente a utilização de recursos públicos em C&T a fundo perdido, sem resultados, estimulando ações sem resultados práticos em uma sociedade em meio a um Horror Econômico, baseado em uma espécie de linear ofertismo (clique) em um país subdesenvolvido (ver implicações para o Brasil)e sem lastro para algo feito em um país endinheirado como os EUA . O ofertismo linear era forte nos EUA, o que não é possível em outros países do mundo....
Será que o Fab Labs pode ser uma tecnociência solidária? Acho que sim, se orientada para a Economia Solidária, com parcerias com universidades, escolas técnicas e orientando um processo catártico coletivo de criatividade e de inteligência. A redução de custos e as parcerias, que já ocorrem em outras experiências, constroem sinergias, pluralidade e uma orientação para sua integração para a geração de trabalho, emprego e renda, sobretudo de economia e tecnociência solidária.