Uma abordagem inicial
Há algum tempo atrás fiz uma apresentação em um dos melhores grupos espíritas progressistas na rede social brasileira, o Coletivo de Estudos Espiritismo e a Justiça Social (CEJUS). A apresentação, feita em conjunto com o companheiro Carlos Orpham, aborda o capítulo 9 do livro “Os Espiritualistas Perante a Paz e o Marxismo”, de Eusínio Lavigne, está aqui neste link:
https://www.youtube.com/watch?v=crw3NkkMquM
Saindo de uma abordagem essencialmente religiosa do Espiritismo, uma orientação normativa roustainguista, temos na bibliografia de Kardec, orientações para se basear nas ciências para o aprofundamento daquilo que o autor elaborou e que sugerem modificações, até porque tecnologia e ciência são dinâmicas. Isso significa acompanhar ciências naturais, físicas (Einstein), biológicas (Darwin), psicológicas (Freud, Jung) e humanas (Marx, Gramsci, Escola de Frankfurt, Chomsky, entre outros) e correlacionar conceitos e informações ao Espiritismo e aos estudos sobre a Espiritualidade, buscando a inter e a transdisciplinaridade, superando o positivismo do século XIX.
Lavigne inicia uma crítica marxista sobre o suposto “neutralismo político” da Federação Espírita Brasileira (FEB) e das Federações regionais nos anos 1950 e explicita o consentimento aos trustes norte-americanos. Naquela época se iniciava a guerra fria, fase que praticamente começa a ocorrer após a detonação de bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki, no final da 2ª Guerra Mundial. A fase da corrida armamentista e aeroespacial se inicia com guerras regionais e o raciocínio do intelectual comunista baiano se dá sem dados mais precisos e confiáveis, ocorridos posteriormente. Porém, a exatidão da avaliação é bem alta e ocorre por razões cognitivas.
Uma questão que abordei na análise do trabalho elaborado por Lavigne, em 1955 (dois anos após o desencarne de Josef Stalin), intelectual marxista-leninista, comunista e espírita baiano, é que falta aos espíritas uma análise marxista sobre o Espiritismo. Uma análise marxista aprofundada diria que isso merece um grupo de pesquisa, que gerará muitos artigos e até publicações de pós-graduação. Os enfoques podem ser qualitativos, culturais, econômicos, sociais e até de ciência política, como explicitado por Lavigne. Fiquei muito feliz por ter feito isso e achei que era interessante colocar algumas questões em texto.
Para esse artigo introdutório trato de algumas questões que envolvem a história, o desenvolvimento e a caracterização do Espiritismo no Brasil. Trato do desenvolvimento da religião com influência kardecista e roustainguista, de Chico Xavier e psicografias e o processo de capilarização da FEB no Brasil, com a constituição de indústria cultural espírita no país. Essa abordagem é predominantemente qualitativa, que me parece mais interessante para observar a elevação intelectual e moral (Gramsci) e buscar uma compreensão do Espiritismo dominante e que passa na atualidade por uma disputa de hegemonia, uma compreensão de um mundo que parece se tornar multipolar, inclusive na espiritualidade.
Utilizando o conceito de intelectual orgânico, de Gramsci, podemos dizer que isso não se aplica atualmente para pessoas, indivíduos. Assim como a Ciência do século XXI, o que interessa é a coletividade que atua em conjunto em atividades intelectuais ou até espirituais, articulando na produção entre a teoria e a prática, desenvolvendo conhecimentos, produtos e processos que ganham escala e repercussão. Casos como Gramsci (comunistas italianos e em nível mundial), Mandela, Gandhi, Lula, São Francisco ou Chico Xavier, assim como de outra maneira poderíamos classificar Kardec como outro caso especial, como possibilidades de atuação coletiva e que tiveram resultados, produtos e repercussões em grande escala, espiritual.
Uma intelectualidade orgânica que é motivo para estudo do Espiritismo progressista é a FEB em suas décadas de criação, funcionamento e aperfeiçoamento. As suas lideranças tiveram papel num crescimento amplo, através dos meios de comunicação, literatura, formação e através da cinematografia. O objetivo disso é simplesmente conhecer o seu desenvolvimento, o funcionamento, os avanços e retrocessos obtidos, visando o desenvolvimento de novas fronteiras de conhecimento espiritual não exploradas por motivos cognitivos, culturais ou por livre arbítrio coletivo da FEB.
Uma análise introdutória marxista à Federação Espírita Brasileira (FEB)
Uma coisa que deve ser avaliada com mais acuidade é uma análise marxista sobre a FEB. Em termos de organização da produção e da repercussão, a FEB e suas federações tiveram um crescimento orgânico de núcleos, centros espíritas e sistemas de validação de sua (re)produção nas últimas décadas. A capilaridade de redes de médiuns, colaboradores, fiéis e estudiosos criaram uma organização da produção com padrões de referência no atendimento, procedimentos, leituras e formas de reuniões e sessões, similares àquelas encontradas em outras religiões, mas com padrão para passes, rezas e processos de cura, desobsessão e outras ações. A capilaridade do Espiritismo está observada nas federações estaduais e guardam uma certa padronização.
A organização da produção dos centros espíritas da FEB é influenciada pela sua criação e desenvolvimento em meados do século XX. Como isso é uma tecnologia, ela é influenciada pelo modo de produção capitalista daquele período: o fordismo-taylorismo1. Mesmo no imaginário espiritual, percebe-se que até espíritos como André Luiz nas colônias seguem essa organização de trabalho (Nosso Lar). A organização das colônias para receber os espíritos desencarnados na 2ª Guerra Mundial guardam semelhanças com esse paradigma, o que é compreensível: o espírito imagina aquilo que viveu em suas encarnações e reproduz as condições de acordo com aquilo que aprendeu no mundo terreno. A tecnologia é uma construção social e histórica.
Materialmente, a acumulação de capital da FEB se fez pelo trabalho de milhares de espíritas, com amor, devoção, persistência e, claro, debates. Não houve necessariamente extração de mais valia, mas criaram uma rede de gráficas, livrarias e produção bibliográfica extensa. O excedente do trabalho foi aplicado para criar a religião espírita roustainguista, com capilaridade e capacidade de difusão sensos comuns, valores morais e, claro, manutenção do poder eurocêntrico. Isso se manifestou no uso intensivo de meios de comunicação e a construção de editoração gráfica, atuação audiovisual e realização de filmes espíritas em escala nacional. Ou seja, foi criada uma Indústria Cultural Espírita. O Cinema é um exemplo: https://www.febnet.org.br/portal/2022/02/18/novidades-feb-cinema/
Evoluíram na disseminação de conteúdo, formação e repercussão em jornais, revistas, programas de rádio e presença nas redes de TV, com a presença de Chico Xavier em programas de grande audiência desde os anos 1960. Isso gerou uma aceitação e/ou consentimento ao Espiritismo, até com o senso comum da (re)encarnação, da vida após a morte e outros conceitos presentes em Kardec.
Aquilo que a Escola de Frankfurt trata como indústria cultural foi desenvolvida há muitos anos pelo Espiritismo oficial, conservador, eurocêntrico, roustainguista, com influência nacional e repercussões no cinema em grande escala, com milhões de pessoas assistindo filmes sobre Espiritismo no país. Nem a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) ou a Rede Record tem marcas como aquelas obtidas pelo Espiritismo atualmente hegemônico.
Lavigne, como marxista leninista, stalinista, provavelmente sugeriria que disputássemos o comando da FEB. Isso implicaria em repetir os erros da Revolução Russa. Ao assumir um Estado semifeudal e sem as bases de um modo de produção pós-capitalista, os bolcheviques reproduziram um Capitalismo de Estado. Que teve vários avanços para a Humanidade, na consolidação de uma espécie de Estado de Bem Estar Social. Mas implicou em cuidar do capitalismo da URSS e não desenvolver alternativas. O mesmo ocorreria com os espíritas progressistas: administrar um espiritismo roustainguista e consolidado em estrutura consistente e orientada para o Capitalismo. Um Espiritismo progressista se inicia em novas bases, com outras orientações e objetivos.
Sugiro buscar um outro ex-comunista que rompeu com o marxismo-leninismo, o francês Michel Foucault e buscar a construção de um poder, de um conhecimento de novo tipo, que incorpore criticamente o que foi produzido pelo Espiritismo dominante, contemplando outros conhecimentos e espíritos no mundo espiritual, buscando novas perspectivas de um Espiritismo cosmopolita (tarefa para muitas encarnações, suponho...). E isso vai desde a microfísica do poder até o nível transnacional, de uma construção multicultural de novo tipo, como os BRICS começam a esboçar.
As estruturas tradicionais têm décadas de funcionamento e sua cultura demandaria muito trabalho e poucos resultados efetivos numa nova visão sobre um Espiritismo com justiça social, democracia e sustentabilidade, com uma visão mundial. Romper com o eurocentrismo significa aquilo que poderá ser feito por organizações que vislumbrem uma abertura internacional para os BRICS. Seria criar uma visão ecumênica e científica que vislumbrasse um diálogo com o Budismo, Islamismo, Cristianismo Ortodoxo, Matriz Africana, entre outras, buscando pontos de diálogo e interlocução, aquilo que Gramsci chamaria de articulação de interesses em nível mundial. Do nível micro, meso ao macro se disputa a hegemonia inclusive no plano espiritual.
Já fizemos muitas análises no campo teológico e histórico ao desenvolvimento da FEB. Elas discorrem sobre os estudos e desenvolvimentos de Kardec, Jesus, Chico Xavier, Roustaing entre outros autores e espíritos psicografados, que auxiliaram no desenvolvimento ímpar do Espiritismo no Brasil. A religião espírita nasceu, cresceu e se desenvolveu de maneira incomum no Brasil, muito além de outros países e os desdobramentos teológicos, culturais e sociais foram desenvolvidos e elaborados sob a hegemonia capitalista e com metodologias que se assemelham ao positivismo.
O Centro de Estudos sobre Espiritismo e Justiça Social – CEJUS - organização que busca estudar, desenvolver e pesquisar assuntos, autores e temas sobre o Espiritismo, busca desvendar uma série de assuntos e um deles chamou a atenção.
O Espiritismo Dominante – a emergência da FEB e da Indústria Cultural Espírita
Lavigne descreve o neocolonialismo, que na época estava num exemplo da Guatemala ocupada pelos EUA. Isso depois se relacionou à Revolução Cubana (e o posterior bloqueio econômico, 1959), à Operação Condor e o apoio das religiões à ditadura militar em 1964 no Brasil. Atualmente isso relaciona à guerra Rússia x Ucrânia ou o massacre promovido na Palestina por Israel, com o apoio dos EUA atualmente retratam relações de hegemonia com uso da força. A atuação da FEB em apoio à OTAN em 2022 e ao Bolsonaro como presidente do Brasil (2018 e 22) foi pública e explícita, o que valida o que Lavigne declarou em 1955 e que é uma característica da dominação capitalista mundial por superpotências e o consentimento, às vezes ativo, das religiões à opressão.
Roustainguismo - descrição histórica e normativa do Espiritismo dominante através de autor que defende esse posicionamento na França e que é descrita nas obras de Gélio Lacerda, discutida no CEJUS por Carlos Simões. Consentimento ativo com pactos entre Federações Estaduais, FEB e conformação do Espiritismo dominante em nível nacional: https://www.youtube.com/watch?v=dOLs5mpHvdM
Há, segundo o CENSO IBGE 2010, 3,8 milhões de pessoas que se declaram espíritas enquanto religião. A influência é maior do que isso e repercute enquanto senso comum da “vida após a morte”, a reencarnação e outros valores e padrões estabelecidos a partir dos estudos de Allan Kardec desde o século XIX, na França, além de Chico Xavier, espíritos psicografados e outros autores que foram aprovados e ofertados pela FEB. Há controvérsias sobre a questão religiosa e o afastamento da Ciência, algo preconizado no Kardecismo e com uma orientação implícita roustanguista, dada pelos pactos anteriores. Há grande influência da matriz africana na espiritualidade brasileira, o que faz ampliar a influência dos temas no país.
Centros Espíritas - Segundo estimativas da FEB há cerca de 15.000 centros espíritas reconhecidos no Brasil (https://www.febnet.org.br/portal/2019/06/12/duvidas-frequentes/#:~:text=Quantos%20adeptos%20do%20Espiritismo%20h%C3%A1,milh%C3%B5es%20de%20esp%C3%ADritas%20no%20Brasil.&text=Quantos%20centros%20esp%C3%ADritas%20existem%20no,h%C3%A1%2015%20mil%20centros%20esp%C3%ADritas.).
Além disso, a história de Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, criou as condições da expansão do Espiritismo e, de forma secundária, do Kardecismo e da bibliografia produzida por textos, entrevistas, psicografias, entre outras obras. A empatia, simplicidade, a capacidade de comunicação do líder espiritual, sua presença nos meios de comunicação (TVs, rádios, jornais, revistas, livros e atendimento presencial em Uberaba) geraram uma popularização do Espiritismo pelo país. Ele tem um papel de catalisador, agregador, que articula teoria e prática, propaga e populariza o Espiritismo como uma religião com alcance nacional. Sua atuação como líder (conservador) fez a religião passar por décadas conturbadas e se consolidar enquanto organização religiosa no Brasil.
Sem dúvida alguma, o trabalho, o esforço e a dedicação de dezena de milhares de pessoas, colaboradoras, espíritas, médiuns gerou uma capilaridade de pessoas que se dedicaram a construir, desenvolver, manter e ampliar os centros espíritas no Brasil. Esse esforço contribuiu para a disseminação de conceitos e de uma faixa considerável de brasileiros que aceitam ou têm críticas, mas consentem o Espiritismo no Brasil. Considerando ainda o sincretismo religioso, isso afora espiritualistas, umbandistas que congregam em torno de 1 milhão de pessoas no país. Contudo, a direção, o sentido e a orientação do Espiritismo oficial é decidida por poucos e com objetivos e interesses estratégicos que se assemelha a uma corporação transnacional convencional.
Há um hiato nessa dimensão orgware da tecnologia espírita: como é essa nova organização do trabalho espírita, espelhada em novos conceitos, num processo de democratização da espiritualidade para além do eurocentrismo? Isso será construído no cotidiano de novas práticas e conceitos, numa elaboração coletiva com a espiritualidade progressista e com uma comunicação horizontal de novo tipo. Não sei se é uma espécie de anarquismo espiritual, mas certamente abre canais para uma democratização espiritual para a qual novos desafios serão gerados. E os médiuns e espíritos progressistas são convidados a construir novas páginas desse novo cenário multi e transdimensional. Orar, observar e agir...
A religiosidade no Brasil – anos 2020
Há alguns anos atrás, Mano Brown, líder da banda de RAP “Racionais MCs”, fez uma crítica ao abandono do trabalho de base, nas periferias, comunidades, favelas e outros espaços populares no Brasil afora (ver em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/188-noticias-2018/584066-o-papo-reto-de-mano-brown-ao-pt). Fez uma crítica ao seu pedaço inicialmente (zona sul de Sampa, Capão Redondo), o predomínio das igrejas neopentecostais nas comunidades, nas antigas “favelas”, quebradas, periferias e o avanço de forças conservadoras e reacionárias em locais outrora progressistas. A discriminação social, racial e de gênero foi acolhida por religiões conservadoras e reacionárias, que ocuparam os espaços do cristianismo progressista.
Outra pessoa importante na discussão sobre cidadania ativa, economia popular e solidária e com histórico no cristianismo progressista que se pronunciou de maneira semelhante àquela manifestada pelo Mano Brown foi Gilberto Carvalho, atual secretário nacional de Economia Solidária. Antigo seminarista, estudioso em Teologia e que esteve presente desde o processo de redemocratização no país desde os anos 1980, Carvalho tratou desse distanciamento como algo que exige mudanças metodológicas nas relações sociais e culturais, com reinvenções e outros processos inovadores na popularização de uma espiritualidade progressista nas camadas populares. Ver em https://082noticias.com/2023/11/13/gilberto-carvalho-se-puderem-vao-nos-derrubar/ .
A falta de comunicação, convivência e trabalho de base, que caracterizou a emergência da sociedade civil organizada no combate à carestia, à ditadura militar e pela redemocratização do país com a construção da cidadania (Eder Sader, 1988) e que foi ocupada por religiões conservadoras e reacionárias. A tríade igreja católica progressista (teologia da libertação, comunidades eclesiais de base – CEBs), movimentos de esquerda (movimento estudantil, partidos políticos e outros), além do Novo Sindicalismo, liderado pelos metalúrgicos do ABC Paulista perdeu seu braço espiritual, que foi sendo desconstituído durante os anos 1980 pelo Papa João Paulo II e não teve substituição por outro ator social progressista.
Eu trabalhava na época das declarações de Mano Brown, em 2018, na região do Jardim Ângela. Aquelas palavras calaram no meu coração e um dia voltava do trampo e parei no metrô Capão Redondo num ato de campanha. Ao panfletar durante algum tempo, percebi o que o rapper dizia. As pessoas simples não olhavam nos nossos rostos, tinham forte rejeição ao PT, à campanha Haddad presidente, não aceitavam panfletos e não queriam papo. O distanciamento de muito tempo, ocasionado pelo distanciamento da sociedade civil progressista do trabalho de base (fim da Teologia da Libertação e supressão das CEBs), se manifestou através da força de igrejas neopentecostais e de atores sociais conservadores nos setores populares.
No capítulo 9, Lavigne faz uma análise das relações entre a FEB e o apoio aos trustes norte-americanos nos anos 1950, discurso típico de militantes de esquerda daquela época. Porém, que implica na dominação ianque na América Latina e que tem um traço de continuidade na atualidade. Ressaltei que a observação feita pelo autor ocorre quando a FEB e seu líder, Divaldo Franco, apoiaram duas vezes o candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro (2018 e 22) e apoiaram a Ucrânia. O que poderia ser um gesto humanitário, se esse país não fosse apoiado pela OTAN, cujo comando político e estratégico é instalar uma base militar dos EUA ao sul da Rússia, um dos países que são líderes dos BRICS.
Esses apoios não foram fortuitos. Representam uma visão estratégica e de longo prazo da FEB em relação a ameaças e riscos ao poder na FEB. Depois de décadas de reforço postura de orientação normativa roustainguista, a Federação explicita sua preferência em nível mundial: manter a supremacia do eurocentrismo no mundo. E isso implica na manutenção dos EUA e de seus aliados (países da Europa Ocidental, sobretudo) na hegemonia e um enfraquecimento do bloco emergente, os BRICS (Brasil, China, Russia, Índia, África do Sul, países islâmicos e da matriz africana), que representam uma diversidade cultural e religiosa que desafia a manutenção de poder na FEB.
Nesse sentido, as guerras nos anos 2020 são interpretadas por algumas lideranças da FEB como sendo obra de Deus, apoiada supostamente por Espíritos desenvolvidos após declarações de apoio à Ucrânia (e, portanto, à OTAN, liga militar comandada desde a Guerra Fria pelos EUA). Isso implica deixar os Dez Mandamentos de Moisés de lado (“não matarás”) e validar até genocídios de muçulmanos no Oriente Médio (na Palestina, por exemplo). Tudo se justifica para a manutenção da hegemonia eurocêntrica no Planeta Terra, através da supremacia norte-americana. A rejeição da FEB à multipolaridade que ocorre nos BRICS por motivos culturais e religiosos: China e Índia, hinduistas, budistas; Rússia, cristã ortodoxa; África do Sul, matriz africana; Irã, Arábia Saudita, islamismo; Brasil, cristão, matriz africana.
Abordagens espiritualistas distintas, como budismo, xintoísmo, islamismo, matriz africana, cristianismo ortodoxo, podem gerar uma crise de hegemonia no Espiritismo e gerar multipolaridades espirituais no Brasil e nos BRICS. Esse ecossistema de inovação espírita está claramente em desacordo com a FEB roustainguista e eurocêntrica porque isso cria contradições e propicia uma espiritualidade transnacional. E não é pela tomada de poder abrupta da FEB, é pela criação de uma diversidade cultural na espiritualidade e que entra em um processo de construção de novos conhecimentos, multi-inter-transdisciplinaridade aliada ao kardecismo. É por isso que o líder da FEB se posiciona contra os BRICS: olhar estratégico no futuro.
A consolidação do Espiritismo como religião é algo dado e consistente. Mudar isso é questão de longo prazo e passa pela elaboração de uma pauta cognitiva, ativa, orgânica, que trabalhe, ensino, pesquisa e extensão na construção de um conjunto de temas, assuntos, debates e aprofundamentos teóricos de estudos que ficaram pouco desenvolvidos no kardecismo, sobretudo na complexificação de temas sobre a espiritualidade no nível global, na multidisciplinaridade (ciências exatas, biológicas, humanas, entre outras) e na possibilidade da ampliação da interlocução espiritual com setores progressistas, que estão sendo pouco acionados ou acessados por hipertrofia do roustainguismo, que atua concomitantemente a um positivismo espírita.