segunda-feira, 16 de março de 2015

Cidadania duplicada e de mão dupla: O fim do início do governo Dilma II

O final de semana foi realmente emocionante. O Brasil respirou política em todos os seus poros, vivendo momentos tão intensos quanto aqueles proporcionados pelas eleições 2014. Na oportunidade escrevi alguns textos aqui, ali e acolá sobre aquele processo político e eleitoral. Entendo que este final de semana muda o cenário político e social do país para o próximo período. Acaba-se os primeiros cem dias do segundo mandato do governo Dilma com um desgaste inédito de imagem para um governo, somente menor do que aquele vivido por FHC, em 1999. E a fica sempre a pergunta de Lenin no ar e um sentimento que não compartilho, de que estamos derrotados em nosso projeto. 

Muito longe disso...




Estamos estranhamente na defensiva desde a vitória eleitoral em outubro de 2014. Houve grande expectativa de alguns setores econômicos e sociais numa possível reviravolta eleitoral que recolocasse o campo conservador no poder central. Aécio Neves foi o representante de segundo turno do neoliberalismo, de setores econômicos encabeçados pelo setor financeiro e por setores sociais que têm grandes questionamentos à política de inclusão social e produtiva, além da questão dos direitos humanos. A decepção pela derrota mudou a forma como a oposição se comportava há décadas.

O PSDB, partido originado de parcelas do MDB, representou no final dos anos 1980 e início dos anos 90 uma força progressista que apoiou Lula no segundo turno contra o neoliberalismo apoiado decisivamente pela Rede Globo de Televisão. A postura daquela força política composta de políticos profissionais, muitos deles oriundos do movimento estudantil presente até 1964 ou de parcelas da comunidade científica, era de um certo refinamento nas ações políticas, mais baseadas na inteligência, no conhecimento e na influência do que na ação política direta. Havia uma espécie de social democracia morena, sem movimento sindical ou social, porém com agenda de construção de um “estado de bem estar social”.

Nos anos 1990, fruto das mudanças nacionais e internacionais, os tucanos mudaram seu programa para chegar ao poder. As mudanças na social democracia europeia revelavam uma aproximação com a direita neoliberal. O esgotamento do welfare state,  a Queda do Muro de Berlim e as mudanças técnicas advindas da revolução técnico-científica e da reestruturação produtiva fizeram as forças políticas no nível geral serem influenciadas pela moda intelectual e econômica do contexto, neoliberalismo acompanhado da globalização econômica.
O PSDB fez uma aliança com parcela da antiga Arena, o PFL, partido composto pelas oligarquias que comandavam o nordeste brasileiro. A aliança PSDB-PFL consolidou uma aliança de grupos sociais e políticos do centro-sul e do nordeste. O partido novamente mudou seu rótulo para Democratas (DEM) nos anos 2000.
De fato, foi grande mudança amparada pelo Consenso de Washington e por uma grande quantidade de governos de orientação neoliberal aplicando as mesmas políticas no continente. A reengenharia política se coadunou ao Plano Real e permitiu um período de 4 anos de ofensiva política e 4 anos de crise sob o comando de FHC.
A prática tucana envolvia uma suposta cultura de refino acadêmico, de usar ações de inteligência e perceber que nada mudaria no cenário, por mais que eles se esforçassem. Portanto, dado que o capitalismo era assim mesmo, que as elites eram subordinadas, neocolonizadas na América Latina e a globalização estavam dadas, restava a adaptação e ações específicas de acordo com o grupo de interesse. E somente se mover no momento adequado com precisão cirúrgica.
Na oposição a partir de 2003, o PSDB pareceu patinar e ficou vários anos fazendo uma oposição “light”. Tendo abandonado o país em séria crise social, com alto desemprego (acima de 10% IBGE e mais de 16% no DIEESE em vários lugares do país), crise de endividamento, taxa Selic a mais de 20%, insegurança energética, além da fome e da miséria, os tucanos acreditavam que o governo Lula seria um desastre. E usaram somente sua ofensiva a partir de 2005, a partir das contradições internas dentro do bloco de governo e com uma operação orientada a quebrar o centro do governo federal e deixar Lula sangrando até o final. Bornhausen, do PFL, defendia acabar com a raça, mas era minoritário no bloco conservador.

O resultado inesperado pelas oposições foi que o governo Lula havia feito uma “revolução silenciosa”. O aumento do salário mínimo, dos milhões de empregos até 5 SM, o Bolsa Família, assim como o Prouni, Luz para Todos e outros programas como financiamento imobiliário via SFH começaram a surtir resultados e fizeram os excluídos votarem maciçamente no Lula em 2006. As realizações do governo encabeçado pelo PT foram superiores aos danos causados pelo “Mensalão”. 
O crescimento dos BRICs, notadamente da China, contudo, trouxe um aumento expressivo da exportação de commodities, o que permitiu um crescimento médio do PIB de 4%a.a. nos dois governos. Isso sustentou uma mudança na estrutura social, contudo sem mudança cultural no nível econômico-corporativo, de classe para si.

De 2007 a 2010, novamente a oposição insistiu na veia neoudenista, reutilizando centenas de vezes o “maior escândalo da história do Brasil” nos noticiários, tentando inviabilizar o governo federal. Como observamos e aprendemos com a experiência nazista, uma mentira contada milhares de vezes se torna verdade. Isso parece ter ocorrido em grandes contingentes da sociedade, que mesmo com instrução formal têm como único contato para (in)formação, os jornais, revistas e meios de comunicação tradicionais, fruto de concessões estatais sem controle público e geralmente oferecida a grupos econômicos, políticos ou religiosos, constituindo na prática uma grande concentração de capital, oligopólica e com interesses difusos no Mercado e no Estado.

Estas políticas, em paralelo, começaram a reduzir paulatinamente o poder político das antigas oligarquias nordestinas. O PFL, com alguns de seus membros pela primeira vez fora do poder desde 1500, começaram a definhar ou mesmo morrer, como o caso de ACM. Foram perdendo paulatinamente seu poder político, baseado no carisma, na fome, na miséria e até no cabresto. Perderam municípios, capitais e estados, culminando com o mensalão do DEM, no DF, em 2009-10. As políticas sociais em nível federal adentraram os municípios e provocaram desenvolvimento econômico e social no interior sem a intermediação dos coronéis. O enfraquecimento da oposição se dá de forma generalizada, sobretudo naquela região.

O PSDB também mudou. Paulatinamente se verificou a saída lenta e gradual de acadêmicos, pessoas históricas, falecimentos de lideranças e a entrada paulatina de políticos tradicionais, conservadores e até carismáticos, como Geraldo Alckmin, apelidado jocosamente de "Chuchu", mas que é o presidente do Tucanistão. As mudanças internas nos quadros sugerem menos requinte intelectual, mais conservadorismo e um tipo de militante mais ativo, orgânico e articulado às bases. Pessoas que criam empatia com seu público e sabem comandar, além de serem muito mais conservadores do que os antigos sociais democratas sem apoio sindical. Evolução tucana que os levou à centro-direita e até à direita em alguns casos.

Tempos de vacas gordas.

Houve a criação de mais de 20 milhões de empregos formais, inclusão social e produtiva de mais de 30 milhões de pessoas, criação do PAC e do MCMV, além de continuações dos programas de inclusão social e produtivos anteriores. A ampliação do (micro)crédito se acentua justamente quando ocorreu a crise mundial de 2008-9, com redução da taxa Selic, redução do spread bancário e outras políticas anticíclicas. O Brasil cresceu e tornou aquela crise uma marolinha.

Em 2009, Serra procurou Lula para conversar sobre o cenário. Avisou que só sairia candidato em março ou abril e que até lá haveria a construção do consenso no ninho tucano. Isso gerou condições para uma aceleração do processo eleitoral, aumento de todas as atividades políticas e emponderamento da candidata Dilma, até aquele momento ministra chefe e candidata indicada pelo presidente para sua reeleição e que tinha pouco conhecimento público e dos eleitores. O resultado veio pela situação econômica estável, pela inclusão social e pela ótima avaliação do Lula, apesar de um embate político que preponderou a questão do papel do Estado e questões comportamentais, como a legalização do direito ao aborto. Novamente, os tucanos erraram. Mas parecem ter evoluído.

O governo Dilma enfrentou a crise econômica mundial com políticas neokeynesianas e procurou aprofundar as políticas anticíclicas e tornar o país mais desenvolvido. Tentou reduzir a taxa Selic, o que o fez até 2% reais, mantendo a inflação sob controle, gerando empregos e fortalecendo a Petrobras, o BB e a CEF. Houve, então profunda irritação do setor financeiro e de investidores, que queriam ampliar os seus ganhos e haviam sido contrariados sem a devida atenção dispensada. A intenção de construir um país com mais autonomia, líder regional e qualificado para influenciar as decisões mundiais entrou em conflito com o Capital.


Em junho de 2013, ocorrem as manifestações inicialmente conduzidas pelo  MPL, reivindicando a redução das tarifas de ônibus e a priorização do transporte coletivo. Iniciado pequeno começou a ganhar volume devido ao descontentamento da esquerda e da população devido a muitos fatores, entre eles as falhas sensíveis de comunicação entre o governo e o povo, além de atores sociais relevantes. A eles se agregaram outras demandas trazidas pelos movimentos sociais que demandavam novas pautas. O movimento ganhou uma articulação de interesses abrangente e universal. E teve a sobreposição de outros interesses.

Contudo, a violência apareceu nas manifestações, infiltradas por movimentos de direita e de inspiração fascista, além da ultra-esquerda. A violência dos aparatos de segurança contra os manifestantes criou as condições para um crescimento massivo do movimento. Houve crescimento deles e a partir de um determinado momento a pauta incorporou atores sociais de amplo espectro ideológico, que protestavam contra os governos e que foram ocupando espaços, inclusive com o uso da violência. Eles continuaram em 2014, com o movimento #nãovaitercopa e constituíram as bases da oposição conservadora.

Vacas magras...

Como já tratado neste blog, fomos vitoriosos em 2014. Logo após a vitória, houve forte pressão pelas operações Lavajato, executadas no combate à corrupção na Petrobras e que desbaratou quadrilhas de doleiros, empresários de grandes empreiteiras de construção civil que fraudam licitações e elevam sobrepreços, articuladas ao repasse financeiro a políticos de diversos matizes. Além disso, o setor financeiro investiu fortemente para a indicação de um novo ministro da Fazenda que fizesse a política para eles. O nome escolhido, de Levy, nome do mercado que já trabalhou na equipe econômica do Governo Lula  veio e aplicou o remédio amargo, além de elevar a taxa Selic e tentar reduzir benefícios trabalhistas. 

Enquanto isso, assistimos a uma redução do crescimento chinês, de 10 para 7%, redução das exportações de commodities, crise no setor do petróleo, com a OPEP reduzindo o valor do barril de U$100 para quase U$50,00 e uma ofensiva geral conservadora nos principais países da América Latina, exceção feita ao Chile e ao Uruguai. Por enquanto.

Esta nova oposição é ampla e multifacetada. Reúne desde jovens progressistas que cresceram nos anos 1990, mas que não se lembram da década neoliberal, até movimentos fascistas que buscam perseguir militantes de esquerda e de igualdade social, racial e de gênero reinstaurando uma ditadura militar coordenada pelos países centrais. É heterogênea, porém conduzida por partidos políticos tradicionais (PSDB e DEM), movimentos neofascistas e grupo econômicos interessados em mudar a orientação política e econômica. Sem falar dos impactos nacionais e internacionais que se reorientam após estas mudanças.

Foram marcadas mobilizações pelos movimentos sociais e pela oposição conservadora. De um lado, aqueles que querem manter a Petrobras, combater a corrupção, manter e conquistar novos direitos sociais e reorientar a política econômica do Governo Dilma, que parece titubeante. O apoio crítico de vários movimentos sociais é um contrapeso ao movimento de massas de direita e, apesar de organizado tardiamente, demostrou ter capacidade de mobilização, envolvendo mais de 200 mil pessoas numa sexta feira, 13 de março, chuvosa na maior parte do Brasil.


extraído do 247

Inicialmente o outro movimento tem predominância forte de brancos, concentrados no centro sul, com boas condições financeiras e bom nível de instrução formal (ver aqui). Abrange grupos conservadores e tende a querer o consentimento da nova classe média e do lumpesinato. Claro, não querem a participação ativa de grupos subordinados, querem o voto deles, como sempre ocorreu. Porém, inicialmente, há descontentamento difuso contra o governo e não rejeição sistemática dos segmentos populares.



Parece haver tempo para mudanças necessárias para convencer quem se beneficia dessa política e polarizar a classe média, abandonada há 12 anos sem comunicação eficiente. Acredito que o PT terá de polarizar a sociedade com aquilo que é apontado por Douglas Belchior neste artigo e com propostas mais abrangentes: para as classes C-D-E, como forma de construir mais relações ético-políticas; fortalecer os laços que temos na classe média, com seus setores organizados, como metalúrgicos, petroleiros, bancários, professores, médicos, psicólogos, entre outros; priorizar setores econômicos que tenham a ver com o histórico de relações estabelecido e com possíveis vetores de desenvolvimento econômico no futuro.



Precisamos, portanto, de uma nova política de comunicação, desde o nível molecular, da relação pessoal, até o nível dos meios de comunicação e de como as políticas públicas se estabelecem Quem não se comunica, se estrumbica.