O final de semana foi realmente emocionante. O Brasil
respirou política em todos os seus poros, vivendo momentos tão intensos quanto
aqueles proporcionados pelas eleições 2014. Na oportunidade escrevi alguns
textos aqui,
ali
e acolá
sobre aquele processo político e eleitoral. Entendo que este final de semana
muda o cenário político e social do país para o próximo período. Acaba-se os
primeiros cem dias do segundo mandato do governo Dilma com um desgaste inédito
de imagem para um governo, somente menor do que aquele vivido por FHC, em 1999.
E a fica sempre a pergunta de Lenin no ar e um sentimento que não compartilho,
de que estamos derrotados em nosso projeto.
Muito longe disso...
Estamos estranhamente na defensiva desde a vitória eleitoral
em outubro de 2014. Houve grande expectativa de alguns setores econômicos e
sociais numa possível reviravolta eleitoral que recolocasse o campo conservador
no poder central. Aécio Neves foi o representante de segundo turno do
neoliberalismo, de setores econômicos encabeçados pelo setor financeiro e por
setores sociais que têm grandes questionamentos à política de inclusão social e
produtiva, além da questão dos direitos humanos. A decepção pela derrota mudou
a forma como a oposição se comportava há décadas.
O PSDB, partido originado de parcelas do MDB, representou no
final dos anos 1980 e início dos anos 90 uma força progressista que apoiou Lula
no segundo turno contra o neoliberalismo apoiado decisivamente pela Rede Globo
de Televisão. A postura daquela força política composta de políticos
profissionais, muitos deles oriundos do movimento estudantil presente até 1964
ou de parcelas da comunidade científica, era de um certo refinamento nas ações
políticas, mais baseadas na inteligência, no conhecimento e na influência do
que na ação política direta. Havia uma espécie de social democracia morena, sem
movimento sindical ou social, porém com agenda de construção de um “estado de
bem estar social”.
Nos anos 1990, fruto das mudanças nacionais e
internacionais, os tucanos mudaram seu programa para chegar ao poder. As
mudanças na social democracia europeia revelavam uma aproximação com a direita
neoliberal. O esgotamento do welfare state, a Queda do Muro de Berlim e as mudanças
técnicas advindas da revolução técnico-científica e da reestruturação produtiva
fizeram as forças políticas no nível geral serem influenciadas pela moda
intelectual e econômica do contexto, neoliberalismo acompanhado da globalização
econômica.
O PSDB fez uma aliança com parcela da antiga Arena, o PFL, partido
composto pelas oligarquias que comandavam o nordeste brasileiro. A aliança PSDB-PFL
consolidou uma aliança de grupos sociais e políticos do centro-sul e do nordeste.
O partido novamente mudou seu rótulo para Democratas (DEM) nos anos 2000.
De fato, foi grande mudança amparada pelo Consenso de
Washington e por uma grande quantidade de governos de orientação neoliberal
aplicando as mesmas políticas no continente. A reengenharia política se coadunou
ao Plano Real e permitiu um período de 4 anos de ofensiva política e 4 anos de
crise sob o comando de FHC.
A prática tucana envolvia uma suposta cultura de refino acadêmico,
de usar ações de inteligência e perceber que nada mudaria no cenário, por mais
que eles se esforçassem. Portanto, dado que o capitalismo era assim mesmo, que
as elites eram subordinadas, neocolonizadas na América Latina e a globalização
estavam dadas, restava a adaptação e ações específicas de acordo com o grupo de
interesse. E somente se mover no momento adequado com precisão cirúrgica.
Na oposição a partir de 2003, o PSDB pareceu patinar e ficou
vários anos fazendo uma oposição “light”. Tendo abandonado o país em séria
crise social, com alto desemprego (acima de 10% IBGE e mais de 16% no DIEESE em
vários lugares do país), crise de endividamento, taxa Selic a mais de 20%,
insegurança energética, além da fome e da miséria, os tucanos acreditavam que o
governo Lula seria um desastre. E usaram somente sua ofensiva a partir de 2005,
a partir das contradições internas dentro do bloco de governo e com uma
operação orientada a quebrar o centro do governo federal e deixar Lula
sangrando até o final. Bornhausen, do PFL, defendia acabar com a raça, mas era
minoritário no bloco conservador.
O resultado inesperado pelas oposições foi que o governo Lula havia feito
uma “revolução silenciosa”. O aumento do salário mínimo, dos milhões de
empregos até 5 SM, o Bolsa Família, assim como o Prouni, Luz para Todos e
outros programas como financiamento imobiliário via SFH começaram a surtir
resultados e fizeram os excluídos votarem maciçamente no Lula em 2006. As
realizações do governo encabeçado pelo PT foram superiores aos danos causados
pelo “Mensalão”.
O crescimento dos BRICs, notadamente da China, contudo, trouxe
um aumento expressivo da exportação de commodities, o que permitiu um
crescimento médio do PIB de 4%a.a. nos dois governos. Isso sustentou uma
mudança na estrutura social, contudo sem mudança cultural no nível
econômico-corporativo, de classe para si.
De 2007 a 2010, novamente a oposição insistiu na veia
neoudenista, reutilizando centenas de vezes o “maior escândalo da história do
Brasil” nos noticiários, tentando inviabilizar o governo federal. Como
observamos e aprendemos com a experiência nazista, uma mentira contada milhares
de vezes se torna verdade. Isso parece ter ocorrido em grandes contingentes da
sociedade, que mesmo com instrução formal têm como único contato para
(in)formação, os jornais, revistas e meios de comunicação tradicionais, fruto
de concessões estatais sem controle público e geralmente oferecida a grupos
econômicos, políticos ou religiosos, constituindo na prática uma grande
concentração de capital, oligopólica e com interesses difusos no Mercado e no
Estado.
Estas políticas, em paralelo, começaram a reduzir
paulatinamente o poder político das antigas oligarquias nordestinas. O PFL, com
alguns de seus membros pela primeira vez fora do poder desde 1500, começaram a
definhar ou mesmo morrer, como o caso de ACM. Foram perdendo paulatinamente seu poder político, baseado no carisma, na fome, na
miséria e até no cabresto. Perderam municípios, capitais e estados, culminando com
o mensalão do DEM, no DF, em 2009-10. As políticas sociais em nível federal
adentraram os municípios e provocaram desenvolvimento econômico e social no
interior sem a intermediação dos coronéis. O enfraquecimento da oposição se dá
de forma generalizada, sobretudo naquela região.
O PSDB também mudou. Paulatinamente se verificou a saída lenta e gradual de acadêmicos, pessoas históricas, falecimentos de lideranças e a entrada paulatina de políticos tradicionais, conservadores e até carismáticos, como Geraldo Alckmin, apelidado jocosamente de "Chuchu", mas que é o presidente do Tucanistão. As mudanças internas nos quadros sugerem menos requinte intelectual, mais conservadorismo e um tipo de militante mais ativo, orgânico e articulado às bases. Pessoas que criam empatia com seu público e sabem comandar, além de serem muito mais conservadores do que os antigos sociais democratas sem apoio sindical. Evolução tucana que os levou à centro-direita e até à direita em alguns casos.
Tempos de vacas gordas.
Houve a criação de mais de 20 milhões de empregos formais,
inclusão social e produtiva de mais de 30 milhões de pessoas, criação do PAC e
do MCMV, além de continuações dos programas de inclusão social e produtivos
anteriores. A ampliação do (micro)crédito se acentua justamente quando ocorreu a crise
mundial de 2008-9, com redução da taxa Selic, redução do spread bancário e
outras políticas anticíclicas. O Brasil cresceu e tornou aquela crise uma marolinha.
Em 2009, Serra procurou Lula para conversar sobre o cenário.
Avisou que só sairia candidato em março ou abril e que até lá haveria a
construção do consenso no ninho tucano. Isso gerou condições para uma
aceleração do processo eleitoral, aumento de todas as atividades políticas e
emponderamento da candidata Dilma, até aquele momento ministra chefe e
candidata indicada pelo presidente para sua reeleição e que tinha pouco
conhecimento público e dos eleitores. O resultado veio pela situação econômica
estável, pela inclusão social e pela ótima avaliação do Lula, apesar de um
embate político que preponderou a questão do papel do Estado e questões
comportamentais, como a legalização do direito ao aborto. Novamente, os tucanos
erraram. Mas parecem ter evoluído.
O governo Dilma enfrentou a crise econômica mundial com
políticas neokeynesianas e procurou aprofundar as políticas anticíclicas e
tornar o país mais desenvolvido. Tentou reduzir a taxa Selic, o que o fez até
2% reais, mantendo a inflação sob controle, gerando empregos e fortalecendo a
Petrobras, o BB e a CEF. Houve, então profunda irritação do setor financeiro e
de investidores, que queriam ampliar os seus ganhos e haviam sido contrariados
sem a devida atenção dispensada. A intenção de construir um país com mais autonomia,
líder regional e qualificado para influenciar as decisões mundiais entrou em
conflito com o Capital.
Em junho de 2013, ocorrem as manifestações inicialmente
conduzidas pelo MPL, reivindicando a redução
das tarifas de ônibus e a priorização do transporte coletivo. Iniciado pequeno
começou a ganhar volume devido ao descontentamento da esquerda e da população
devido a muitos fatores, entre eles as falhas sensíveis de comunicação entre o
governo e o povo, além de atores sociais relevantes. A eles se agregaram outras
demandas trazidas pelos movimentos sociais que demandavam novas pautas. O
movimento ganhou uma articulação de interesses abrangente e universal. E teve a
sobreposição de outros interesses.
Contudo, a violência apareceu nas manifestações, infiltradas
por movimentos de direita e de inspiração fascista, além da ultra-esquerda. A
violência dos aparatos de segurança contra os manifestantes criou as condições
para um crescimento massivo do movimento. Houve crescimento deles e a partir de
um determinado momento a pauta incorporou atores sociais de amplo espectro
ideológico, que protestavam contra os governos e que foram ocupando espaços,
inclusive com o uso da violência. Eles continuaram em 2014, com o movimento
#nãovaitercopa e constituíram as bases da oposição conservadora.
Vacas magras...
Como já tratado neste blog, fomos vitoriosos em 2014. Logo após a vitória, houve forte pressão pelas operações Lavajato, executadas no combate à corrupção na Petrobras e que desbaratou quadrilhas de doleiros, empresários de grandes empreiteiras de construção civil que fraudam licitações e elevam sobrepreços, articuladas ao repasse financeiro a políticos de diversos matizes. Além disso, o setor financeiro investiu fortemente para a indicação de um novo ministro da Fazenda que fizesse a política para eles. O nome escolhido, de Levy, nome do mercado que já trabalhou na equipe econômica do Governo Lula veio e aplicou o remédio amargo, além de elevar a taxa Selic e tentar reduzir benefícios trabalhistas.
Enquanto isso, assistimos a uma redução do crescimento chinês, de 10 para 7%, redução das exportações de commodities, crise no setor do petróleo, com a OPEP reduzindo o valor do barril de U$100 para quase U$50,00 e uma ofensiva geral conservadora nos principais países da América Latina, exceção feita ao Chile e ao Uruguai. Por enquanto.
Esta nova oposição é ampla e multifacetada. Reúne desde
jovens progressistas que cresceram nos anos 1990, mas que não se lembram da
década neoliberal, até movimentos fascistas que buscam perseguir militantes de
esquerda e de igualdade social, racial e de gênero reinstaurando uma ditadura
militar coordenada pelos países centrais. É heterogênea, porém conduzida por
partidos políticos tradicionais (PSDB e DEM), movimentos neofascistas e grupo
econômicos interessados em mudar a orientação política e econômica. Sem falar
dos impactos nacionais e internacionais que se reorientam após estas mudanças.
Foram marcadas mobilizações pelos movimentos sociais e pela oposição conservadora. De um lado, aqueles que querem manter a Petrobras, combater a corrupção, manter e conquistar novos direitos sociais e reorientar a política econômica do Governo Dilma, que parece titubeante. O apoio crítico de vários movimentos sociais é um contrapeso ao movimento de massas de direita e, apesar de organizado tardiamente, demostrou ter capacidade de mobilização, envolvendo mais de 200 mil pessoas numa sexta feira, 13 de março, chuvosa na maior parte do Brasil.
extraído do 247
Inicialmente o outro movimento tem predominância forte de
brancos, concentrados no centro sul, com boas condições financeiras e bom nível
de instrução formal (ver aqui).
Abrange grupos conservadores e tende a querer o consentimento da nova classe
média e do lumpesinato. Claro, não querem a participação ativa de grupos
subordinados, querem o voto deles, como sempre ocorreu. Porém, inicialmente, há
descontentamento difuso contra o governo e não rejeição sistemática dos
segmentos populares.
Parece haver tempo para mudanças necessárias para convencer
quem se beneficia dessa política e polarizar a classe média, abandonada há 12
anos sem comunicação eficiente. Acredito que o PT terá de polarizar a sociedade
com aquilo que é apontado por Douglas
Belchior neste artigo e com propostas mais abrangentes: para as classes
C-D-E, como forma de construir mais relações ético-políticas; fortalecer os
laços que temos na classe média, com seus setores organizados, como
metalúrgicos, petroleiros, bancários, professores, médicos, psicólogos, entre
outros; priorizar setores econômicos que tenham a ver com o histórico de
relações estabelecido e com possíveis vetores de desenvolvimento econômico no
futuro.
Precisamos, portanto, de uma nova política de comunicação, desde o nível molecular, da relação pessoal, até o nível dos meios de comunicação e de como as políticas públicas se estabelecem Quem não se comunica, se estrumbica.
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