sexta-feira, 23 de agosto de 2013

UM EXEMPLO NA SUPERAÇÃO DO LINEAR OFERTISMO NA AMÉRICA LATINA: O CASO DA SAÚDE EM CUBA


Há alguns meses, a cadeia produtiva envolvendo medicamentos, máquinas e equipamentos e serviços de saúde vem sendo contestada no Brasil.


Uma série de medidas polêmicas elaboradas pelo Governo Federal, através do Ministério da Saúde, tem sido fortemente contestadas pela categoria médica. Talvez estes profissionais tenham razão, sobretudo no tocante à gestão pública, à falta de recursos materiais e das condições de trabalho em muitas estruturas, circunstâncias e locais. O Sistema Único de Saúde, criado a partir da Constituição de 1988, é universal, porém ainda não contempla de fato todos os cidadãos.


A constatação básica é que a Saúde não funciona bem no Brasil. Apesar de termos uma das dez maiores economias do mundo, o Brasil melhorou seus indicadores sociais básicos, como a mortalidade infantil, a expectativa de vida e muitas doenças tiveram sensível redução ou até foram praticamente erradicadas. Porém há falta de médicos, sobretudo no atendimento primário, medicamentos, emergências e gestão nos locais. 


Uma parcela significativa da população utiliza Planos de Saúde que atendem parcialmente às demandas, com filas crescentes nas consultas, muitas vezes cobrindo parte dos problemas, oferecendo quartos com ar condicionado e TV, porém sem o acompanhamento adequado dos pacientes. O que faz com que a influência cognitiva e estrutural de parte do sistema de saúde com a medicina norteamericana demonstre as mesmas fragilidades daquela. A saúde melhorou no Brasil, mas está aquém das necessidades da população mais desfavorecida e a classe média recebe atendimento cada vez pior.


Uma análise superficial do colunista Marcelo Leite, da Folha de São Paulo no dia de hoje, carrega um certo fundo de verdade. Conversávamos há alguns anos no Departamento em que fiz pós-graduação em C&T, o Departamento de Política Científica e Tecnológica na UNICAMP e tivemos contatos com alguns membros do Ministério de C&T de Cuba. Havia uma constatação na apresentação dos dois modelos nacionais: a mesma política acontecia no Brasil e em Cuba, apesar de diferenças grandes na economia, porte, localização geográfica e na história recente, sobretudo durante a Guerra Fria.


Cuba, assim como o Brasil, não construiu sua política de inovação de forma autônoma, endógena e focada em suas potencialidades. Fez um processo imitativo dos países centrais (Cuba, com URSS e Brasil, com Inglaterra e EUA), não estimulando uma "agregação de valor" ao açúcar, que poderia ter ampliado a produção de álcool combustível e outros subprodutos importantes para a sobrevivência dos cubanos; eles não desenvolveram o suficiente a cadeia produtiva pesca, dado a posição insular caribenha; fizeram um processo de importação de produtos industrializados da URSS, que já não era boa em produtos e serviços, e formaram milhares de engenheiros sem ter fábricas (processo linear ofertista de C&T e Inovação).


Contudo, percebo que as vantagens comparativas foram bem observadas pelo governo, que ao menos no tocante à área da Saúde. Cuba soube conduzir muito bem aquilo que construiu nas últimas décadas: estimular as características positivas e suas vocações para desenvolver vetores de inovação que se tornassem bases para o desenvolvimento econômico e social do país.


O caso da saúde fugiu à regra do linear ofertismo latinoamericano (produzir ciência, desenvolver tecnologias, gerar excedente econômico e daí gerar um desenvolvimento social) ao tornar mais pragmático o caminho entre a formação profissional, as carências e as necessidades e demandas da população local e as oportunidades de trabalho e de serviços em nível mundial. Muito mais do que exportar açúcar, Cuba pode oferecer serviços de saúde em todo o planeta.


Cuba percebeu que a demanda por C&T vinha da imagem real, construída historicamente, de que a Saúde de Cuba é de primeira linha. Priorizou a prevenção, utilizou da precariedade de recursos materiais uma força indutora para formar muitos médicos e ocupou espaços onde a medicina norte americana não queria: periferias, população pobre e miserável, locais onde equipamentos médicos e grandes equipamentos não conseguem chegar.


O fato é que esta "janela de oportunidade" tornou o país dos Castros, uma potência de inovação social em saúde, com capacidade de oferecer a dezenas de países profissionais qualificados em lidar com populações humildes e sem assistência médica, lidando com falta de infraestrutura e reduzindo sensivelmente diversos tipos de mortalidades, sobretudo em países tropicais.


É uma lição até para o Brasil, que tem o linear ofertismo focado ainda nos exemplos dos países "centrais", justamente aqueles que se encontram na maior crise social e econômica em 70 anos. Crise, aliás engendrada por eles mesmos. O Brasil teria de ter uma estratégia de inovação adequada a estes propósitos, de acordo com uma política industrial, de serviços e até do turismo, de acordo com nossos recursos naturais, tecnológicos e de recursos humanos. E claro, da imagem construída pelo país em sua História.



Referências:


Artigo de Marcelo Leite: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/08/1330730-analise-cuba-forma-milhares-de-medicos-como-produto-de-exportacao.shtml


Saúde assina primeiro acordo com a Opas para atrair médicos - 

http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/noticia/12773/162/saude-assina-primeiro-acordo-com-a-opas-para-atrair-medicos.html

"Entre 150 países, Brasil tem o maior ganho de bem-estar em 5 anos" - artigo no Valor Econômico, 27 de novembro de 2012.


Renato Dagnino - linear ofertismo e "demand pull"...

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