segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Um passo a frente... e não estamos mais no mesmo lugar!

As manifestações de junho de 2013 foram um marco no campo progressista, no sentido de discutir a mobilidade urbana e a pauta pela reforma urbana. Porém, ela transcendeu e houve a entrada de movimentos conservadores que procuraram sua apropriação por bandeiras neoudenistas e até fascistas. O seu saldo, porém ficou majoritariamente com os grupos progressistas e viu o surgimento de mobilizações influenciadas por ações de direita, como os "black blocks".

O processo eleitoral de 2014 que vivemos foi aquele em que a racionalidade e os sentimentos estiveram à flor da pele. Foi, sem dúvida, um dos processos eleitorais mais complexos e emocionantes da história da República. O quadro a seguir retrata isso, sobretudo a partir de 2002:


Na racionalidade política, até a morte de Eduardo Campos, houve um processo eleitoral morno, em que os 12 anos de governos petistas haviam reduzido drasticamente, a fome, a miséria, o desemprego, melhorado a educação e a saúde, com crescimento do PIB, as políticas de crédito, o acesso ao consumo e a bens de toda a espécie, como automóveis, eletrodomésticos e telefones celulares e serviços como viagens por avião. A oposição continuava insistindo no neoudenismo e a vitória em primeiro turno parecia real para Dilma, com a monotonia de um candidato desconhecido e com fraca base partidária (Eduardo Campos) e um tucano pouco conhecido nacionalmente e com muitas fragilidades políticas e pessoais (Aécio Neves).

Contudo, isso foi até à morte em agosto do candidato do PSB, Eduardo Campos, neto de um político progressista, Miguel Arraes. A entrada de uma candidata conhecida e com potencial de voto, que curiosamente era sua candidata a vice, Marina Silva, mudou completamente o cenário eleitoral e houve a abertura de perspectivas para a direita voltar ao poder. Ela chegou a ficar em segundo lugar nas pesquisas e tinha potencial para estar à frente de Dilma num eventual segundo turno.

Desvencilhada da pauta progressista, a ex-petista, ex-verde, líder da Rede e filiada ao PSB, Marina Silva apresentou um programa de governo que aliava o neoliberalismo ao conservadorismo comportamental, a um tipo de ambientalismo e à influência evangélica. Repleto de erros, cópias, contradições e falta de estrutura de campanha, sobretudo no programa eleitoral gratuito, Marina viu sua campanha ser desconstruída pelos adversários e saiu do segundo lugar para o terceiro em pouco mais de um mês. Contudo, conseguiu viabilizar o segundo turno e fortaleceu a campanha de Aécio, que ficou nesse período sem entrar em polarização com Dilma, terminando o primeiro turno em segundo lugar, a pouco mais de 10% atrás de Dilma Rousseff.

A ofensiva conservadora foi uma das mais fortes que vivemos. A direita internacional se moveu para combater o centro nervoso da resistência ao neoliberalismo nas Américas: o Brasil. Parte dos setores econômicos conservadores, como meios de comunicação e setor financeiro, fizeram ações políticas de grande envergadura, chegando ao desplante de reduzir a atividade econômica visando derrotar o governo federal. A montanha russa da Bovespa oscilou de acordo com as pesquisas eleitorais. Visões conspirativas a parte (afinal estamos no meio da pior crise econômica mundial desde 1929), foi uma engenharia política sofisticada, com graus de dificuldade altíssimos, como ocorre no primeiro mundo...

O segundo turno representou um embate ideológico, político e social, em que houve a polarização PSDB x PT, resgatando as ações do governo FHC e aquelas do governo Lula e Dilma. A repercussão do que ocorreu em termos de desemprego, descontroles financeiros, corrupção, apagão foram relembrados. E as fragilidades pessoais de Aécio foram exploradas nas redes sociais e nos debates. Como se pode lembrar, a desconstrução do tucano mineiro se deu até por ele mesmo, pelos resultados eleitorais de Minas Gerais, pelas suas atitudes pessoais e pela biografia dele.

A expressão desse avanço conservador tem rastro e história. Ganharam onde os bandeirantes passaram (MS, GO, MT, ao sul o PR) e perderam de novo o Brasil. Eles "acumularam força"? Pelo que se viu nas declarações de Serra ou mesmo de políticos tucanos paranaenses, não necessariamente. As contradições internas nas hostes tucanas serão grandes e neste momento há uma situação análoga àquela das eleições de 1989, com as posições invertidas entre esquerda e direita. Contudo, é perceptível que a derrota proporcionou mobilização de rua e ódio incorporado por anos de propaganda contra o PT, Lula e a esquerda em geral. O avanço eleitoral poderá significar ampliação do bloco histórico conservador.




O PSDB não se saiu melhor das eleições 2014. Apesar de ter sido vitorioso em São Paulo, perdeu o governo de Minas Gerais, reduziu sua participação no Parlamento e está cada vez mais paulista. Tem-se do ponto de vista simbólico uma tradição seletiva da história paulista em todos os sentidos. A "revolução" constitucionalista de 1932 foi resgatada e até no mundo artístico há movimentos que incentivam o reacionarismo. Movimento que foi ensaiado no segundo turno das eleições de 2010 e que foi reforçado, procurando captar setores da classe C. Eles tiveram sucesso relativo, porém insuficiente para a vitória eleitoral. O momento foi positivo para esse avanço eleitoral, porém as bases de sustentação do projeto neoliberal não está espelhado no executivo ou no legislativo, apesar da inédita mobilização das direitas nas ruas.

A posição de Marina Silva e de sua "Rede" ficou um tanto desgastada, perdendo muito espaço, organização e sua situação não permite vislumbrar o futuro. Ao que tudo indica, ficou menor do que quando entrou no processo eleitoral em agosto. Deve ser oposicionista e se aliar ao PSDB. Sua 'terceira via" deixou de existir nesta conjuntura.

O PSB está dividido. Pernambuco teve forte vitória do PT no segundo turno, contra a posição do grupo da família Arraes. Na Paraíba, foi eleito governador em aliança com Dilma. No DF, governador eleito é oposição a Dilma. Assim diríamos que o PSB deve ser disputado numa aliança com históricos e progressistas da legenda.

No campo comportamental houve muitos avanços. O racismo, xenofobismo, homofobia e o preconceito de classe foram explicitados. Saímos da zona de conforto de "Casa Grande e Senzala" e observamos que temos muito a avançar em nossa sociedade multicultural. O Brasil que sai das urnas não está dividido entre norte e sul. Ele é plural, religiosamente, sexualmente, politicamente e nas mentes...rs O amor, o ódio, as paixões ficaram claras e novas clivagens puderam ser observadas.

O obscurantismo trazido pela campanha Marina Silva acabou por reforçar a campanha Aécio no segundo turno, mesmo que ele não tenha incorporado a pauta comportamental dela. A campanha anti-PT foi articulada de forma muito mais abrangente e complexa do que aquela que ocorreu em 2006 e quase levou à vitória o neoliberalismo no Brasil. A percepção de que não é somente o Brasil que está em jogo fica claro agora. A correlação de forças na América Latina muda se o Brasil pender para a direita. O Brasil é um global player e a consciência disso se dá pela campanha estabelecida

O tamanho que o Brasil ocupa no mundo foi proporcional ao ataque das direitas. Temos que reconhecer, contudo, que não se chegou aos ataques vividos na Venezuela, porém foi muito próximo disso. Não houve risco de golpe de Estado porque o Brasil é uma democracia de tipo ocidental, porém os artifícios utilizados foram mais incisivos do que aqueles utilizados nos anos 1950 e 60.

O Brasil está sob disputa de hegemonia. Mesmo governando o Brasil há 12 anos, o maior tempo de uma força política no poder em regime democrático, o Partido dos Trabalhadores tem que analisar esse processo como um aprendizado. Mesmo com mais de 20 milhões de empregos formais gerados, mais de 3 milhões de novas residências, Bolsa Família para mais de 11 milhões de famílias, mais de 30 milhões de pessoas que ascenderam socialmente ou o programa "Mais Médicos", que atendeu mais de 1000 cidades sem nenhum médico, tendo cobertura para 50 milhões de pessoas, isso começou a ficar pouco. Como falava Joãozinho Trinta, as pessoas querem luxo... As pessoas querem sempre mais e isso é bom.

A influência da velha classe média, tema muito abordado por Marilena Chauí, sobre a nova, a classe C, começa a ser efetiva, como se viu nos resultados eleitorais. O social desenvolvimentismo tem de ter uma pauta política, de fortalecimento de uma cidadania ativa e que incorpore amplos contingentes nessa construção. Dado que o consumismo poderá levar esses setores para o neoliberalismo, como vimos na experiência sueca.

Precisamos trabalhar toda essa energia para ações positivas. Temos que melhorar e muito o sistema político, criar condições para melhorar o sistema produtivo, ampliando e aprofundando oportunidades de acordo com nossas vantagens comparativas e combatendo os preconceitos e discriminações. Tendo a acreditar que a correlação de forças não permita uma reforma tributária. A democratização dos meios de comunicação tem que ser colocada em pauta. Mas se eu fosse a Dilma (rs) enfrentaria algum desses nós críticos no primeiro ano de governo para, de fato, construir amplo papel de participação popular em seu governo e nos movimentos sociais.

É utopia, mas seria um passo a frente e não estaremos mais no mesmo lugar... (Chico Science)

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