Pesquisa Nossa São Paulo/IBREM: Percepções
da população frente à cidade de São Paulo. Ou não? Ambivalências retratadas
Ao receber a
pesquisa do IBOPE na semana passada, encomendada pela Rede Nossa São
Paulo, na qual aparecia uma suposta queda da popularidade do prefeito Fernando
Haddad e uma percepção de piora sobre a avaliação da cidade , achei
interessante analisar mais os dados.
Desde 2013
assistimos a fenômenos que envolvem mudanças econômicas, políticas, sociais e
de participação popular no Brasil. Isso já foi discutido em aqui, ali e acolá . Esta pesquisa não trata
disso, porém ela ressalta aspectos desse processo, uma decorrência do
acirramento do debate político na sociedade. As pesquisas pertinentes a estas
questões neste ano, de outros institutos e da Fundação Perseu Abramo, assim
como pesquisas antigas, com Flávio Pierucci, acabam influenciando a minha
percepção sobre os dados atuais.
Decidi
aceitar acriticamente os dados e considerá-los como válidos. Apesar de críticas
metodológicas, eventuais fragilidades e até perturbações nos dados a partir da
forma como foram coletados, decidi analisar os números em si. Nesse sentido, procuro depreender aquilo que
acredito que possa auxiliar para que de fato possamos continuar a mudar a
cidade de São Paulo, mesmo com forte e histórica resistência conservadora.
Fazendo
isso, observo que a cidade continua dividida e com posições extremadas, como se
pode notar em qualquer conversa ou nos conflitos que acontecem no cotidiano. E
uma parcela da população parece chegar próxima a ter problemas de saúde, de
comportamento, desejando até sair da cidade (68%), se tiver essa possibilidade,
para não ter que continuar a perceber mudanças de status quo, de mobilidade
social, cultural e de perspectivas. É o que discuto a seguir. Começo a seguir
com a questão social.
A questão social é considerada como uma ameaça para parcelas da população
A
desigualdade social teve uma queda na
nota de 0,7, cerca de 15% de 2014 a 2015. Isso pode significar que as pessoas
estão querendo mais igualdade social. Houve piora real na qualidade das
relações de trabalho, na renda e há percepção pela população do aumento do
desemprego. Isso afeta a luta pela igualdade básica. Deve-se ressaltar que
houve a redução de 1,5 milhões de empregos formais pelo CAGED no Brasil. Isso
nos retirou do pleno emprego de 2012, contudo estamos muito longe do alto nível
de desemprego e exclusão social dos anos 1990.
Apesar de
todos os indicadores terem melhorado nos últimos 13 anos, a percepção das
pessoas é de que houve piora. Isso pode refletir o aumento do desemprego e uma
insegurança sobre o futuro no trabalho.
Porém, isso
não foi tão drástico a tal ponto de ter uma queda tão intensa. Tudo depende de
como as pessoas interpretam esse dado. Parece indicar o contrário. Ou seja, que
o número de pobres nas ruas aumentou e isso incomoda alguns.
Parcela da
população tem rejeição à igualdade social. Parece haver uma rejeição à presença
de moradores de rua, que aparece na questão de assistência social, na qual há
demanda por mais vagas nas casas de acolhimento e abrigos para a população de
rua.
A educação é
tratada com piora sensível de índices de acesso, serviços ofertados à juventude
e falta de controle das escolas sobre os jovens. A violência da polícia contra
a juventude também é destacada. Destaco que houve consideração de piora do
acesso às universidades, apesar da abertura de mais vagas privadas e públicas.
Parece que o acesso da classe C e o aumento da concorrência possa ser uma das
causas das pioras de avaliação sobre o tema.
Há, de
qualquer maneira, uma percepção de que as famílias não estão cuidando
adequadamente de seus filhos e que houve piora nas condições de trabalho dos
professores. Houve aumento físico e declarado na pesquisa do uso da educação
pública no período, sobretudo creches (página 65).
Apesar do
Programa “De Braços Abertos” estar com altas taxas de permanência de pessoas
trabalhando, se recuperando ou reduzindo os danos, a percepção da presença
dessas pessoas nas ruas é questionada. Os
“nóias” não deveriam ficar nas ruas, tinham de ser expulsos, distanciados,
presos. A política de que a questão social é caso de polícia parece ter
influência neste caso.
A Habitação
reflete contrariedades às políticas habitacionais e de regularização de
favelas. A construção de moradias populares em vários locais, inclusive aqueles
mais próximos de onde as pessoas trabalham parece gerar a redução da nota,
porque tornam visíveis populações que antes se encontravam em situação de
vulnerabilidade social. Deixam claro o descontentamento irreal de falta de
acesso a financiamento para todas as classes sociais (houve piora na questão do
crédito e das taxas de juros, isso é um atenuante desse argumento).
Evidentemente,
cerca de 13 anos de governo federal e 3 anos de governo municipal é pouco para
mudar a situação de problemas tão graves e tão antigos. Há setores que reclamam
de falta de creches, escolas, moradias, assistência social, entre outras
políticas sociais porque em muitos casos ela é insuficiente ou inadequada. Isso
se encontra em regiões que apresentam alta vulnerabilidade social. Este deve
ser outro setor que deve ter reduzido as notas, apesar dos avanços do governo
municipal.
A melhoria
do acesso à educação, saúde, justiça e à distribuição de renda incomodam essa
parcela da população. E a falta de acesso a essas políticas desagrada outra
parte.
Consumo, TI, cultura, lazer
e meio ambiente
Em épocas de
crise, a questão do consumo, da cultura, do lazer e do meio ambiente não
aparecem entre as questões mais importantes pelos entrevistados.
A Tecnologia
de informação (TI) – forte queda, de 0,6 (5,7 para 5,1) – indica que o
entrevistado achava que tinha piorado a situação. Isso corrobora com a
percepção de queda de acesso à internet. Paradoxalmente coincide com a abertura
de Wi-Fis gratuitos pela Prefeitura e um crescente acesso das pessoas aos
smartphones. A ampliação do uso, por exemplo, de agendamento de consultas pela
internet implementado pela Prefeitura parece ampliar o descontentamento e a
demanda reprimida.
Houve aumento
de atividades com amigos, redução de tempo para o lazer e para atividades
esportivas, culturais ou contato com a natureza, apesar de haver novos parques
e áreas de lazer, como a abertura de avenidas nas regiões, como a Avenida
Paulista e em outras 32 vias em todas as subprefeituras de Sampa.
Sobre o meio
ambiente há reclamações da redução das áreas verdes e de sua conservação. Justificam
a redução delas pela falta de contato com a natureza (especulação que faço). Há
uma crítica à falta de campanhas de educação ambiental. Houve percepção de
aumento da poluição na cidade e de abandono dela de forma abrupta no ano de
2015. Reconhecem aumento da coleta seletiva. Revela fragmentação de uma visão
ambiental abrangente, mas desejo de que isso ocorra, apesar da inércia
cultural.
Houve
aumento de uma religiosidade. . Isso é
corroborado pela alta aprovação da instituição Igreja (70%). Esse aumento
parece ter se dado na parcela conservadora, avessa a mudanças comportamentais, à
educação sexual feita pelo Estado e até à tolerância religiosa As políticas de
igualdade social, direitos humanos, entre outras, reforçam uma resistência de setores
religiosos às mudanças culturais e sociais.
A
participação popular é desaprovada. Mesmo com o aumento dos conselhos e de APPs
que acessam serviços municipais há uma sensação de piora. A rejeição aos
políticos e aos governos bate recorde. Isso
pode revelar que setores conservadores da cidade queiram um retrocesso nessas
políticas. Quando dão notas ruins não é porque acham que elas estão
inadequadas. Este setor quer a sua extinção. A percepção de aumento da
corrupção e da desonestidade é muito ressaltada nesta pesquisa, com quedas de
até 30% nas notas de 2014 para 2015. Velho jargão udenista.
As
manifestações sociais que foram intensas, tanto à direita como à esquerda. Parecem
ter sido consideradas ruins por parcela da população. Talvez até porque elas
tenham tido intensidade e representatividade. A frequência com que se praticam
ações voluntárias e comunitárias: queda de 0,4 na nota. Como ressalto na
questão social houve aumento de atividades com amigos, redução de tempo para o
lazer e para atividades esportivas, culturais ou contato com a natureza. O
individualismo e o homogenismo social se exacerbam.
Por outro
lado, é importante ressaltar a cidadania ativa esteve em conflito em 2013, na
luta pelo passe livre. As contradições da cidadania concedida (Vera da Silva
Teles), vividos desde o Governo Lula, parecem ainda guardar resistências e
contradições que enfraqueceram a voz e a articulação de interesses por ora. Haverá
reversão disso, dada as manifestações com crescente participação durante o ano
de 2015. E por outro lado, se observa um refluxo das manifestações das direitas
na cidade. Porém, isso pode ser revertido. O debate político será franco e as
veias abertas.
Mobilidade e luta de
classes
A mobilidade
é uma das questões mais controversas do governo Haddad e que mais avanços teve.
Houve priorização do transporte coletivo, com abertura de corredores e faixas
de ônibus, bilhete único mensal, Ubber, transporte executivo, entre outros. A
redução da velocidade máxima em avenidas e em ruas de grande circulação
reduziram acidentes, assim como a implantação de faixas exclusivas e de
ciclovias na capital paulista.
Na pesquisa
sobre mobilidade pode se destacar que não houve grandes modificações sobre a opinião
sobre a dimensão do metrô. Parece que as pessoas estão parcialmente satisfeitas,
mesmo com a piora das notas (e com aumento de notas 9 e 10, mesmo com as
constantes quebras e atrasos do transporte sobre trilhos). Aí, muito
provavelmente, a opinião daqueles que não usam metrô e estão descontentes com a
ampliação do transporte público tenha tido peso mais ativo do que aqueles que
se beneficiaram dos avanços. É preciso reconhecer que mais de 100 anos de
dominância da cultura do Carro nas sociedades não acaba em 4 anos de governo
municipal.
Além disso,
não podemos deixar de levar em consideração os episódios do Metrô Higienópolis.
Criar mais metrôs significa democratizar a sociedade, ir além do centro
expandido e fazer a periferia ficar perto. A ameaça da igualdade social deve
ser restringida, pelo maior tempo possível...
Parece haver
uma dessincronia entre a melhoria da segurança e da fluidez no trânsito e um
desconforto com a priorização do transporte coletivo. Mesmo com a redução dos
tempos de viagem e de espera dos ônibus por causa dos corredores, as notas
abaixam e mesmo sem aumentos nas tarifas há grande reclamação quanto aos
aumentos... O que reflete de certa maneira as manifestações de 2013.
Há críticas
em relação à circulação de pedestres e a pesquisa não pergunta sobre a questão
do transporte individual. Porém, fica claro que há descontentamento com a
situação das vias e outras reclamações que possam ser feitas, escamoteadas
pelas questões do status quo ou da compulsão pela velocidade e pela
transgressão. E consentida até pelos setores de baixa renda, beneficiados pela
redução sensível nos tempos de viagem no transporte coletivo sobre rodas.
Saúde com baixas
Houve aumento
das preocupações com o tema Saúde. Elas se refletem na necessidade de mais
hospitais, prontos-socorros, marcação de consultas. Há uma percepção de que aumentou o tempo de
espera para consultas e cirurgias, o que é discrepante com a realidade. Houve
melhora na Atenção Básica, atestada pelos próprios pesquisados, porém parece
refletir preocupações com o desemprego, inflação e eventualmente piora dos
serviços de saúde.
Pode ter
relação com a redução das atividades de hospitais e PSs do governo estadual e a
desestruturação de planos de Saúde como a UNIMED Paulistana, porém isso parece
ser marginal. Pode ter sido amenizado devido à abertura de serviços de saúde
municipais e pela absorção de usuários da cooperativa por outros planos de
saúde.
A página 59
retrata que houve aumento do uso do SUS, inclusive em cirurgias, o que revela
um paradoxo que pode ter relação com demandas por melhoria ou simplesmente
contrariedade pelo uso universal de usuários de todas as classes sociais.
A
preocupação com a autoimagem ou percepção da imagem da cidade passa por piora e
pode ter relação com isso. A percepção que tudo está ruim, que a cidade está
suja, abandonada, cheia de “nóias” e, provavelmente de LGBTs, negros e pobres,
presente no discurso corrente das redes sociais, parece estar relacionado a
isso. Destaca-se o aumento do uso de serviços de psiquiatria e saúde mental,
com alto nível de aprovação.
IBREM: conclusões
ambivalentes
Deve-se
destacar o quadro em que as pessoas ponderam o que é mais relevante na vida
delas (página 46). As pesquisas eleitorais sempre colocam as mais importantes:
saúde, (des)emprego, segurança e educação. No caso municipal, a zeladoria
geralmente teria peso também. Neste momento, a questão da saúde é a primeira,
talvez porque a quantidade de pessoas doentes seja maior ou porque se sinta
mais necessidade dela, pelo estresse, demanda reprimida ou até pela depressão
(o SUS em nível municipal distribuiu mais de 200 milhões de antidepressivos no
ano passado).
A baixa
autoestima seria um problema coletivo da cidade, o que gera pessimismo,
insegurança, medo e reduz o consumo e a atividade econômica, colaborando para o
desemprego. A propaganda da crise feita pelos meios de comunicação parece ter
surtido efeito coletivo.
Mas o que
chama mais a atenção são os itens menos relevantes: aparência e estética,
consumo, sexualidade, desigualdade social, transparência e participação
política, tecnologia de informação, esporte, cultura e Assistência Social. São
alguns dos itens em que a prefeitura e o governo federal mais intensificaram
ações nos últimos anos, mas obviamente insuficiente para resolvê-los em curto
prazo.
Assim,
#apesardacrise, o consumo não é preocupação central, assim como esporte ou
cultura. Isso denota que há forte oposição à continuidade dessas políticas e
que os setores conservadores não querem a igualdade social, a participação
popular ou a ampliação da cultura para todos e todas. A falta de priorização da
sexualidade parece ser um problema de saúde, já destacado anteriormente. A
análise SWOT evidencia isso.
O IBREM,
indicador feito pela “Nossa São Paulo”,
teve poucas alterações desde 2013. Teve aumento em 2014 e queda para os mesmos
patamares anteriores. As maiores quedas foram em setores predominantemente
conservadores como o Centro e a Região Norte I. Contudo, deve-se ressaltar que
a região Leste teve queda e é provável que haja além do que ocorreu nas outras
regiões (para o caso da Leste I), um descontentamento sobre a suposta falta de
ações de governo naquela região (Leste e Sul II). Nos outros, os índices se
mantiveram.
Sobre as
Instituições que mais estão contribuindo para melhorar a qualidade de vida,
destacam-se a(s) Igreja, os meios de comunicação, ONGs, Universidades e
Associações de Bairro. Partidos políticos, prefeitura, conselhos
municipais, governos estadual e federal
estão no outro extremo. Retrata uma decepção com a política e a participação
social, além de forte oposição orgânica contrária ao Governo Haddad e o que ele
representa.
Assim, a
pesquisa indica que as prioridades da população devam ser priorizadas. No caso
específico da Saúde parece haver problemas de comunicação com os cidadãos e a
percepção não corresponde ao aumento dos atendimentos e ao incremento de
unidades e serviços. Deve-se ressaltar que, apesar de restrições orçamentárias,
houve avanços na qualidade e na abrangência de atendimento em uma cidade com 12
milhões de habitantes. É a cidade com maior cobertura de atendimento no mundo.
O mesmo vale para Habitação, Mobilidade e
Educação. A questão do emprego depende de ações do Governo Federal e que se
delineiam pela queda da taxa Selic, aumento do crédito para a produção e
incentivo ao emprego. Apesar da falta de governabilidade, ressalta-se que várias
ações, como a criação do Observatório do Trabalho, economia solidária e
Adesampa, com iniciativas para o empreendedorismo, estão presentes desde o início
do governo Haddad e desde 2008, quando se iniciou a pior crise econômica
mundial desde 1928.
Considero
que seria interessante tratar do campo temático “ aparência e estética,
consumo, sexualidade, desigualdade social, transparência e participação
política, tecnologia de informação, esporte, cultura e Assistência Social” como
prioridade. Apesar de ser o menos valorizado, ele tende a ter significância
para o bloco social, auxilia no debate com a sociedade e amplia nossos apoios.
Em termos regionais, as regiões Sul e Leste parecem ser prioritárias para a
continuação das mudanças, assim como setores das regiões norte e oeste.
A pesquisa
do IBOPE/ Nossa SP, certamente, não é o centro de orientação de nada. Pode
estar com erros metodológicos, problemas de abordagem, falta de questões
essenciais, etc. Contudo, alguma coisa que pode ser avaliada neste contexto
controverso, sujeito a trovoadas.
Parabéns, Sampa!
REFERÊNCIA
Pesquisa IBOPE para ONG "Nossa São Paulo" em 25/01/16: http://nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/irbem/irbem2016-resumido.pdf
Nenhum comentário:
Postar um comentário