segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Pesquisa Nossa São Paulo/IBREM: Percepções da população frente à cidade de São Paulo. Ou não? Ambivalências retratadas




Ao receber a pesquisa do IBOPE na semana passada, encomendada pela Rede Nossa São Paulo, na qual aparecia uma suposta queda da popularidade do prefeito Fernando Haddad e uma percepção de piora sobre a avaliação da cidade , achei interessante analisar mais os dados.
Desde 2013 assistimos a fenômenos que envolvem mudanças econômicas, políticas, sociais e de participação popular no Brasil. Isso já foi discutido em aqui, ali  e acolá  . Esta pesquisa não trata disso, porém ela ressalta aspectos desse processo, uma decorrência do acirramento do debate político na sociedade. As pesquisas pertinentes a estas questões neste ano, de outros institutos e da Fundação Perseu Abramo, assim como pesquisas antigas, com Flávio Pierucci, acabam influenciando a minha percepção sobre os dados atuais.

Decidi aceitar acriticamente os dados e considerá-los como válidos. Apesar de críticas metodológicas, eventuais fragilidades e até perturbações nos dados a partir da forma como foram coletados, decidi analisar os números em si.  Nesse sentido, procuro depreender aquilo que acredito que possa auxiliar para que de fato possamos continuar a mudar a cidade de São Paulo, mesmo com forte e histórica resistência conservadora.
Fazendo isso, observo que a cidade continua dividida e com posições extremadas, como se pode notar em qualquer conversa ou nos conflitos que acontecem no cotidiano. E uma parcela da população parece chegar próxima a ter problemas de saúde, de comportamento, desejando até sair da cidade (68%), se tiver essa possibilidade, para não ter que continuar a perceber mudanças de status quo, de mobilidade social, cultural e de perspectivas. É o que discuto a seguir. Começo a seguir com a questão social.

 A questão social é considerada como uma ameaça para parcelas da população

A desigualdade social teve uma  queda na nota de 0,7, cerca de 15% de 2014 a 2015. Isso pode significar que as pessoas estão querendo mais igualdade social. Houve piora real na qualidade das relações de trabalho, na renda e há percepção pela população do aumento do desemprego. Isso afeta a luta pela igualdade básica. Deve-se ressaltar que houve a redução de 1,5 milhões de empregos formais pelo CAGED no Brasil. Isso nos retirou do pleno emprego de 2012, contudo estamos muito longe do alto nível de desemprego e exclusão social dos anos 1990.
Apesar de todos os indicadores terem melhorado nos últimos 13 anos, a percepção das pessoas é de que houve piora. Isso pode refletir o aumento do desemprego e uma insegurança sobre o futuro no trabalho.
Porém, isso não foi tão drástico a tal ponto de ter uma queda tão intensa. Tudo depende de como as pessoas interpretam esse dado. Parece indicar o contrário. Ou seja, que o número de pobres nas ruas aumentou e isso incomoda alguns.
Parcela da população tem rejeição à igualdade social. Parece haver uma rejeição à presença de moradores de rua, que aparece na questão de assistência social, na qual há demanda por mais vagas nas casas de acolhimento e abrigos para a população de rua.
A educação é tratada com piora sensível de índices de acesso, serviços ofertados à juventude e falta de controle das escolas sobre os jovens. A violência da polícia contra a juventude também é destacada. Destaco que houve consideração de piora do acesso às universidades, apesar da abertura de mais vagas privadas e públicas. Parece que o acesso da classe C e o aumento da concorrência possa ser uma das causas das pioras de avaliação sobre o tema.
Há, de qualquer maneira, uma percepção de que as famílias não estão cuidando adequadamente de seus filhos e que houve piora nas condições de trabalho dos professores. Houve aumento físico e declarado na pesquisa do uso da educação pública no período, sobretudo creches (página 65).
Apesar do Programa “De Braços Abertos” estar com altas taxas de permanência de pessoas trabalhando, se recuperando ou reduzindo os danos, a percepção da presença dessas pessoas  nas ruas é questionada. Os “nóias” não deveriam ficar nas ruas, tinham de ser expulsos, distanciados, presos. A política de que a questão social é caso de polícia parece ter influência neste caso.


A Habitação reflete contrariedades às políticas habitacionais e de regularização de favelas. A construção de moradias populares em vários locais, inclusive aqueles mais próximos de onde as pessoas trabalham parece gerar a redução da nota, porque tornam visíveis populações que antes se encontravam em situação de vulnerabilidade social. Deixam claro o descontentamento irreal de falta de acesso a financiamento para todas as classes sociais (houve piora na questão do crédito e das taxas de juros, isso é um atenuante desse argumento).
Evidentemente, cerca de 13 anos de governo federal e 3 anos de governo municipal é pouco para mudar a situação de problemas tão graves e tão antigos. Há setores que reclamam de falta de creches, escolas, moradias, assistência social, entre outras políticas sociais porque em muitos casos ela é insuficiente ou inadequada. Isso se encontra em regiões que apresentam alta vulnerabilidade social. Este deve ser outro setor que deve ter reduzido as notas, apesar dos avanços do governo municipal.
A melhoria do acesso à educação, saúde, justiça e à distribuição de renda incomodam essa parcela da população. E a falta de acesso a essas políticas desagrada outra parte.

Consumo, TI, cultura, lazer e meio ambiente

Em épocas de crise, a questão do consumo, da cultura, do lazer e do meio ambiente não aparecem entre as questões mais importantes pelos entrevistados.
A Tecnologia de informação (TI) – forte queda, de 0,6 (5,7 para 5,1) – indica que o entrevistado achava que tinha piorado a situação. Isso corrobora com a percepção de queda de acesso à internet. Paradoxalmente coincide com a abertura de Wi-Fis gratuitos pela Prefeitura e um crescente acesso das pessoas aos smartphones. A ampliação do uso, por exemplo, de agendamento de consultas pela internet implementado pela Prefeitura parece ampliar o descontentamento e a demanda reprimida.
Houve aumento de atividades com amigos, redução de tempo para o lazer e para atividades esportivas, culturais ou contato com a natureza, apesar de haver novos parques e áreas de lazer, como a abertura de avenidas nas regiões, como a Avenida Paulista e em outras 32 vias em todas as subprefeituras de Sampa.

Sobre o meio ambiente há reclamações da redução das áreas verdes e de sua conservação. Justificam a redução delas pela falta de contato com a natureza (especulação que faço). Há uma crítica à falta de campanhas de educação ambiental. Houve percepção de aumento da poluição na cidade e de abandono dela de forma abrupta no ano de 2015. Reconhecem aumento da coleta seletiva. Revela fragmentação de uma visão ambiental abrangente, mas desejo de que isso ocorra, apesar da inércia cultural.

Houve aumento de uma religiosidade.  . Isso é corroborado pela alta aprovação da instituição Igreja (70%). Esse aumento parece ter se dado na parcela conservadora, avessa a mudanças comportamentais, à educação sexual feita pelo Estado e até à tolerância religiosa As políticas de igualdade social, direitos humanos, entre outras, reforçam uma resistência de setores religiosos às mudanças culturais e sociais.
A participação popular é desaprovada. Mesmo com o aumento dos conselhos e de APPs que acessam serviços municipais há uma sensação de piora. A rejeição aos políticos e aos governos bate recorde.  Isso pode revelar que setores conservadores da cidade queiram um retrocesso nessas políticas. Quando dão notas ruins não é porque acham que elas estão inadequadas. Este setor quer a sua extinção. A percepção de aumento da corrupção e da desonestidade é muito ressaltada nesta pesquisa, com quedas de até 30% nas notas de 2014 para 2015. Velho jargão udenista.
As manifestações sociais que foram intensas, tanto à direita como à esquerda. Parecem ter sido consideradas ruins por parcela da população. Talvez até porque elas tenham tido intensidade e representatividade. A frequência com que se praticam ações voluntárias e comunitárias: queda de 0,4 na nota. Como ressalto na questão social houve aumento de atividades com amigos, redução de tempo para o lazer e para atividades esportivas, culturais ou contato com a natureza. O individualismo e o homogenismo social se exacerbam.

Por outro lado, é importante ressaltar a cidadania ativa esteve em conflito em 2013, na luta pelo passe livre. As contradições da cidadania concedida (Vera da Silva Teles), vividos desde o Governo Lula, parecem ainda guardar resistências e contradições que enfraqueceram a voz e a articulação de interesses por ora. Haverá reversão disso, dada as manifestações com crescente participação durante o ano de 2015. E por outro lado, se observa um refluxo das manifestações das direitas na cidade. Porém, isso pode ser revertido. O debate político será franco e as veias abertas.

Mobilidade e luta de classes

A mobilidade é uma das questões mais controversas do governo Haddad e que mais avanços teve. Houve priorização do transporte coletivo, com abertura de corredores e faixas de ônibus, bilhete único mensal, Ubber, transporte executivo, entre outros. A redução da velocidade máxima em avenidas e em ruas de grande circulação reduziram acidentes, assim como a implantação de faixas exclusivas e de ciclovias na capital paulista.

Na pesquisa sobre mobilidade pode se destacar que não houve grandes modificações sobre a opinião sobre a dimensão do metrô. Parece que as pessoas estão parcialmente satisfeitas, mesmo com a piora das notas (e com aumento de notas 9 e 10, mesmo com as constantes quebras e atrasos do transporte sobre trilhos). Aí, muito provavelmente, a opinião daqueles que não usam metrô e estão descontentes com a ampliação do transporte público tenha tido peso mais ativo do que aqueles que se beneficiaram dos avanços. É preciso reconhecer que mais de 100 anos de dominância da cultura do Carro nas sociedades não acaba em 4 anos de governo municipal.

Além disso, não podemos deixar de levar em consideração os episódios do Metrô Higienópolis. Criar mais metrôs significa democratizar a sociedade, ir além do centro expandido e fazer a periferia ficar perto. A ameaça da igualdade social deve ser restringida, pelo maior tempo possível...
Parece haver uma dessincronia entre a melhoria da segurança e da fluidez no trânsito e um desconforto com a priorização do transporte coletivo. Mesmo com a redução dos tempos de viagem e de espera dos ônibus por causa dos corredores, as notas abaixam e mesmo sem aumentos nas tarifas há grande reclamação quanto aos aumentos... O que reflete de certa maneira as manifestações de 2013.
Há críticas em relação à circulação de pedestres e a pesquisa não pergunta sobre a questão do transporte individual. Porém, fica claro que há descontentamento com a situação das vias e outras reclamações que possam ser feitas, escamoteadas pelas questões do status quo ou da compulsão pela velocidade e pela transgressão. E consentida até pelos setores de baixa renda, beneficiados pela redução sensível nos tempos de viagem no transporte coletivo sobre rodas.

Saúde  com baixas

Houve aumento das preocupações com o tema Saúde. Elas se refletem na necessidade de mais hospitais, prontos-socorros, marcação de consultas.  Há uma percepção de que aumentou o tempo de espera para consultas e cirurgias, o que é discrepante com a realidade. Houve melhora na Atenção Básica, atestada pelos próprios pesquisados, porém parece refletir preocupações com o desemprego, inflação e eventualmente piora dos serviços de saúde.
Pode ter relação com a redução das atividades de hospitais e PSs do governo estadual e a desestruturação de planos de Saúde como a UNIMED Paulistana, porém isso parece ser marginal. Pode ter sido amenizado devido à abertura de serviços de saúde municipais e pela absorção de usuários da cooperativa por outros planos de saúde.
A página 59 retrata que houve aumento do uso do SUS, inclusive em cirurgias, o que revela um paradoxo que pode ter relação com demandas por melhoria ou simplesmente contrariedade pelo uso universal de usuários de todas as classes sociais.

A preocupação com a autoimagem ou percepção da imagem da cidade passa por piora e pode ter relação com isso. A percepção que tudo está ruim, que a cidade está suja, abandonada, cheia de “nóias” e, provavelmente de LGBTs, negros e pobres, presente no discurso corrente das redes sociais, parece estar relacionado a isso. Destaca-se o aumento do uso de serviços de psiquiatria e saúde mental, com alto nível de aprovação. 



IBREM: conclusões ambivalentes

 Deve-se destacar o quadro em que as pessoas ponderam o que é mais relevante na vida delas (página 46). As pesquisas eleitorais sempre colocam as mais importantes: saúde, (des)emprego, segurança e educação. No caso municipal, a zeladoria geralmente teria peso também. Neste momento, a questão da saúde é a primeira, talvez porque a quantidade de pessoas doentes seja maior ou porque se sinta mais necessidade dela, pelo estresse, demanda reprimida ou até pela depressão (o SUS em nível municipal distribuiu mais de 200 milhões de antidepressivos no ano passado).

A baixa autoestima seria um problema coletivo da cidade, o que gera pessimismo, insegurança, medo e reduz o consumo e a atividade econômica, colaborando para o desemprego. A propaganda da crise feita pelos meios de comunicação parece ter surtido efeito coletivo.
Mas o que chama mais a atenção são os itens menos relevantes: aparência e estética, consumo, sexualidade, desigualdade social, transparência e participação política, tecnologia de informação, esporte, cultura e Assistência Social. São alguns dos itens em que a prefeitura e o governo federal mais intensificaram ações nos últimos anos, mas obviamente insuficiente para resolvê-los em curto prazo.
Assim, #apesardacrise, o consumo não é preocupação central, assim como esporte ou cultura. Isso denota que há forte oposição à continuidade dessas políticas e que os setores conservadores não querem a igualdade social, a participação popular ou a ampliação da cultura para todos e todas. A falta de priorização da sexualidade parece ser um problema de saúde, já destacado anteriormente. A análise SWOT evidencia isso.
O IBREM, indicador feito  pela “Nossa São Paulo”, teve poucas alterações desde 2013. Teve aumento em 2014 e queda para os mesmos patamares anteriores. As maiores quedas foram em setores predominantemente conservadores como o Centro e a Região Norte I. Contudo, deve-se ressaltar que a região Leste teve queda e é provável que haja além do que ocorreu nas outras regiões (para o caso da Leste I), um descontentamento sobre a suposta falta de ações de governo naquela região (Leste e Sul II). Nos outros, os índices se mantiveram.

Sobre as Instituições que mais estão contribuindo para melhorar a qualidade de vida, destacam-se a(s) Igreja, os meios de comunicação, ONGs, Universidades e Associações de Bairro. Partidos políticos, prefeitura, conselhos municipais,  governos estadual e federal estão no outro extremo. Retrata uma decepção com a política e a participação social, além de forte oposição orgânica contrária ao Governo Haddad e o que ele representa.
Assim, a pesquisa indica que as prioridades da população devam ser priorizadas. No caso específico da Saúde parece haver problemas de comunicação com os cidadãos e a percepção não corresponde ao aumento dos atendimentos e ao incremento de unidades e serviços. Deve-se ressaltar que, apesar de restrições orçamentárias, houve avanços na qualidade e na abrangência de atendimento em uma cidade com 12 milhões de habitantes. É a cidade com maior cobertura de atendimento no mundo.

 O mesmo vale para Habitação, Mobilidade e Educação. A questão do emprego depende de ações do Governo Federal e que se delineiam pela queda da taxa Selic, aumento do crédito para a produção e incentivo ao emprego. Apesar da falta de governabilidade, ressalta-se que várias ações, como a criação do Observatório do Trabalho, economia solidária e Adesampa, com iniciativas para o empreendedorismo, estão presentes desde o início do governo Haddad e desde 2008, quando se iniciou a pior crise econômica mundial desde 1928.
Considero que seria interessante tratar do campo temático “ aparência e estética, consumo, sexualidade, desigualdade social, transparência e participação política, tecnologia de informação, esporte, cultura e Assistência Social” como prioridade. Apesar de ser o menos valorizado, ele tende a ter significância para o bloco social, auxilia no debate com a sociedade e amplia nossos apoios. Em termos regionais, as regiões Sul e Leste parecem ser prioritárias para a continuação das mudanças, assim como setores das regiões norte e oeste.
A pesquisa do IBOPE/ Nossa SP, certamente, não é o centro de orientação de nada. Pode estar com erros metodológicos, problemas de abordagem, falta de questões essenciais, etc. Contudo, alguma coisa que pode ser avaliada neste contexto controverso, sujeito a trovoadas.

Parabéns, Sampa!



 REFERÊNCIA
Pesquisa IBOPE para ONG "Nossa São Paulo" em 25/01/16: http://nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/irbem/irbem2016-resumido.pdf

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