Sou filho de taxista. Boa parte de meus estudos, do conhecimento, do patrimônio material e imaterial que tenho ou conquistei veio em grande parte do trabalho do meu velho em Fuscas, Gols, Classic, das compras de alvará, ponto, dele me ensinando caminhos, rotas, xingando barbeiros... Enfim, vejo com muito bons olhos os trabalhadores dessa insalubre profissão, apesar de serem (ex)malufistas (meu pai, ainda bem, não era... rs). Uma corporação de ofício que viveu intensamente o século XX, do automóvel e agora vive novos desafios.
Há alguns meses, acompanho a controvérsia sobre os aplicativos que estão possibilitando a emergência de novos serviços de transporte para a população. No caso, o aplicativo (APP) em questão atualmente é o Uber. Qualquer um aciona pelo celular o APP e aparece um carro particular, preto, com novos acessórios, água, jornal, etc e pelo que dizem (eu não tomei... rs) é um pouco mais barato do que o serviço convencional de táxi. Tem um atendimento com motoristas com mais educação, até bilingues. É o que dizem...
By Folha SP
A inovação, que já havia chegado aos táxis, com APPs, fones, cooperativas chegou à flexibilidade máxima. Quase qualquer um pode fazer o transporte de passageiros em carros de passeio, de até 7 pessoas.
Taxistas decidiram reagir. Em todo o Brasil e em vários países do mundo há manifestações, locautes, brigas físicas e até quebra de carros suspeitos de estarem ligados ao APP.
By Folha SP
Há uma argumentação por parte dos taxistas contra a precarização das relações de gestão e de trabalho, uma desregulamentação que leva o serviço de transporte de pessoas por carros de passeio para valores menores, com motoristas menos habilitados e com menos itens de segurança, além de não pagar tributos, em um processo caótico de mobilidade urbana, onde o Uber não estaria inserido na matriz de transportes públicos. Ou seja, um processo que na visão dos taxistas é nefasto e os coloca contra a nova tecnologia e a emergência de uma nova categoria profissional, concorrente ou que até pode superá-los, gerando desemprego e insegurança no trabalho e no transporte de pessoas.
Isso é muito semelhante a outra controvérsia surgida no final dos anos 1990 e começo desse milênio. A banda de heavy metal Metallica entrou em confronto contra o software/site Napster, que compartilhava músicas gratuitamente, sem levar em conta os direitos autorais aos artistas, o jabá para as rádios e o $ para a indústria fonográfica, simplesmente atropelava e fornecia música de graça, na faixa.
O grupo se colocou contra a inovação e levou aquela empresa à bancarrota. Claro, não adiantou e surgiram dezenas, centenas de outros softwares e sites que pirateavam músicas. Hoje, a música é virtualmente de graça e o Metallica continua a dar murro em ponta de faca, obstruindo licenças, mas todos os seus álbuns estão na internet... de graça, rs!
A indústria fonográfica foi pro buraco e até há pouco tempo atrás vi uma declaração do guitarrista Kirk Hammet: “agora temos de fazer muitos shows para ganhar algum $”... Isso observo em contradição direta com a história do Metallica, que chegou ao apogeu de centenas de milhões de álbuns vendidos devido à forma de compartilhamento universal de músicas de novas bandas a partir de discos e fitas piratas entre headbangers de plantão... rs!
Indo mais longe na História, encontramos alguns dos trabalhadores que fizeram isso de maneira sistemática por um bom tempo. A emergência da Maquinaria como força produtiva e que substituía dezenas, centenas de homens começa no século XVIII. O movimento consistia em destruir as máquinas que tornavam os homens obsoletos na produção, gerando desemprego em massa. Havia também as sabotagens, greves e muita pancadaria. Eles ficaram conhecidos como Ludditas.
http://www.citeco.fr/10000-years-history-economics/industrial-revolutions/revolt-of-the-luddites-in-the-united-kingdom
Eles são os ancestrais do Metallica e dos taxistas no ódio contra a máquina, a tecnologia. Não preciso dizer que depois de algumas décadas os movimentos de trabalhadores desistiram desse procedimento radical, apesar de voltar a ele em vários outros contextos de revolução técnica e científica, características dos processos cíclicos de inovação no capitalismo.
Adianta isso? Os taxistas acabarão com os APPs? Alguém acredita que esse movimento bravio terá êxito? Se o vereador de São Paulo ficar nu acabará o Uber?
Folha
Lamento afirmar que não adiantará, além de ser ruim para a saúde e para a poluição visual... kkk!
Acredito que botar a boca no trombone, xingar, pressionar é democrático. Só que esse movimento de resistência, de reação é insuficiente em longo prazo. Isso é importante para criar novas legislações e ter novas regulações no curto e médio prazo. É essencial para demarcar que existe um ator social relevante e que quer sobreviver na matriz de mobilidade. Porém, isso é num primeiro momento. E depois disso?
By Folha de São Paulo
A Prefeitura de São Paulo criou um decreto que regulamenta o Uber e os APPs similares. Insere regulamentações e obrigações que tendem a regular um setor que estará cada vez mais dinâmico em mudanças. E isso é inexorável.A questão é que o Uber e os outros APPs vieram atropelando e farão isso de forma sistemática e consistente daqui para frente. Primeiro, derrubando os custos (a bandeirada paulistana é uma das mais caras do Brasil...), melhorando a qualidade e se diversificando, atendendo aos mais diferentes gostos, tendo motoristas poliglotas. O método Toyota, flexível estará disseminado em poucos anos. Pode até haver dumping, porém a tendência é que a rigidez do sistema corporativo dos táxis seja superada em médio prazo.
Os taxistas terão de inovar para sobreviver. Terão de melhorar a qualidade, baixar custos, aumentar opcionais e praticamente virar um Uber. O que não é tão difícil, dado os APPs para táxis já disponíveis, há um processo de qualificação profissional visando o atendimento dos clientes que fará uma seleção dos melhores de acordo com o passar do tempo. Mas terão de apresentar novas proposições e uma nova organização, mais flexível, menos conservadora e que terá de ser tão ágil quanto os outros aplicativos concorrentes. É mudar ou desaparecer. É uma adequação sociotécnica.
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