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A mesma coisa ocorre no mundo da produção, da economia, das engenharias, da sociologia do trabalho e, por que não, do fenótipo e da fisiologia da civilização. O Cara que destaco é Henry Ford (1863-1947).
O fundador da Ford Motors, há mais de 100 anos atrás (114) não foi o inventor do automóvel. Não fez o carro mais possante, mais bonito. Eu nem gosto da fábrica brazuca, acho os carros dessa montadora ruins, pouco econômicos e já foi até ultrapassado pelas concorrentes japonesas. No mundo também ficou para atrás, fez bem em se aliar à Google, mas isso é uma outra história...
Ford é uma espécie de intelectual orgânico da produção automobilística e modificou drasticamente o modo de produção capitalista. Primeiro, dentro das fábricas ao introduzir a linha de produção; segundo, porque ampliou os benefícios e os salários de seus trabalhadores em um mundo em que predominava a mais valia absoluta; terceiro porque reduziu o valor dos automóveis através da produção em massa, sobretudo a partir da fabricação do legendário Ford T, que era barato, preto e produzido aos milhões. O mercado consumidor de massas (não de macarrão! rs) está intimamente associado aos conceitos desse Cara.
Do primeiro ponto, destaco que Ford mudou as fábricas. A introdução da linha de produção aliada às filosofias de Taylor e Fayol, fez com que houvesse uma separação da concepção e da execução, de forma científica, buscando transformar o operário num apêndice da máquina, algo brilhantemente retratado por Chaplin em “Tempos Modernos”. Na falta de bons fornecedores, criou as cidades-indústrias e o cadeias de fornecimento, como observado na experiência da Fordlândia no Brasil. Seus conceitos foram utilizados por Lenin, Stalin, Roosevelt e Hitler na guerra, na organização do Estado, das fábricas, das cidades, da vida e da morte.
Dos aumentos salariais, Ford afirmava no seu discurso que seu objetivo é que todos os operários deveriam ter condições de comprar seu carro (popular) que eles mesmos haviam construído e assim gerar uma ampliação do mercado consumidor. Esta estratégia foi bem sucedida nos EUA, Europa, Japão e ficou décadas articulada ao Welfare State, associada ao New Deal de Roosevelt, ao Plano Marshall pós 2ª Guerra e ao keynesianismo. O consentimento na produção foi estabelecido por aquilo que Burawoy chama de “making out” e isso se dá sobretudo pela recompensa monetária.
A produção em larga escala fez com que produtos até então inacessíveis ao público de média renda chegassem à casa das pessoas. Produtos classic, 1.0 passaram a ter mais próximos ao valor de uso, um valor razoável para o bolso das pessoas, mesmo que a prestações das Casas Bahia. O barateamento dos produtos fez com que as inovações se tornassem peça-chave no processo de reversão da queda tendencial da taxa de lucro. Isso fazia com que o macaco amestrado pudesse consumir aquilo que produzia e assim reforçava indiretamente o consentimento, a noção de pertencimento à empresa em que trabalhava.
A produção em massa teve seu apogeu após a 2ª Guerra Mundial e ficou inconteste até a crise do petróleo, em 1973. Sua crise se tornou visível com o toyotismo (um fordismo asiático que radicalizou a linha de produção) e a informática, na transição do paradigma petróleo-mecânico-elétrico para o eletroeletrônico e de mudanças na matriz energética.
Ford afinal estaria morto?
Pois é, assim como outros gênios, há controvérsias, dúvidas, porém parece que o Cara está vivo ou ressuscitado. Está muito além de um zumbi do Walking Dead porque pensa, elabora, organiza inclusive a vida de quem está vivo.
Nunca na história do Mundo estivemos tão dependentes da tecnologia. Agora, vivemos um contexto em que é muito difícil viver sem smartphones (o fetichismo da mercadoria se transforma em fetichismo da tecnologia, diriam uns amigos meus...) e até para dirigir carros obedecemos às máquinas. “Mantenha-se à direita, siga pelos próximos 500m, Recalculando a rota... aguarde o novo zapp com um bom dia e novas instruções do chefe em seu home office, que pode ser no seu próprio carro mesmo!” ... rs Agendas eletrônicas, computadores, Facebook, planilhas de cálculo tipo Excel, tudo leva você a se tornar um apêndice da máquina. A Matrix é aqui mesmo... rs
As fábricas estão cada vez mais automatizadas, com mais robôs, computadores, sensores... Máquinas que constroem máquinas. Exterminadores do Futuro. Cada vez mais a brincadeira de tirar cadeiras após uma rodada nelas tem menos gente. Um marxista de plantão diria: oras, não acabou a centralidade do trabalho. De fato, não. Só que a mais valia acumulada em séculos de capitalismo tendencialmente faz com que boa parte do excedente seja gerado diretamente pelas máquinas para outras máquinas, que mandarão eletronicamente dinheiro eletrônico para bancos ou bolsas de valores. D-M-D’ conjugado com D-D’, com direito a muita pílula azul para os coxinhas que sobrarem para apertar botões, lerem o balanço econômico do dia, almoçar e achar que são ricos, mas são pobres... rs!
E, claro, esta situação se encontra na agricultura, no comércio e nos serviços. Máquinas fazem ligações telefônicas, mandam e-mails, abrem páginas para leituras, vendem e cada vez menos há a participação do Homem na atividade econômica. O superlucro ocorre mesmo em recessão e desemprego em massa. A tecnologia é poupadora de mão de obra a linha de produção mundial começa e demandar cada vez menos trabalho humano...
Gera um paradoxo que está óbvio: e quem comprará os carros, os produtos, dado que há cada vez menos empregos formais? Aí mataremos Ford e Keynes? Daí ressurge a mais valia absoluta, exercendo toda a sua força no precariado, no exército “industrial” de reserva revitalizado, recarregado e potencializado por uma massa de desesperados que trabalham de acordo com reformas trabalhistas que deixariam Vargas, um discípulo de Ford, estarrecido. É quase um trabalho análogo à escravidão. Só que não, alguns outros discípulos do Cara estarão lá para explorá-los e ganhar $ em larga escala... rs quase #cronicamenteinviavel #horroreconômico.
Buenas, as estatísticas estão aí: 1% da população tem 82% das riquezas mundiais. Cinco brasileiros têm mais renda, grana, dividendos e investimentos do que os 100 milhões brasileiros mais pobres. Estados nacionais têm cada vez menos força do que as grandes empresas transnacionais, que até financiam golpes de Estado de vez em quando... rs
O Welfare State saiu de moda do debate e das prioridades em muitos países ou sequer existiu plenamente, como é o caso tupiniquim. A massa salarial está decadente e o capital está cada vez mais concentrado, pronto para a nova onda de inovações tecnocientíficas. E o mundo cada vez mais financeirizado assiste passivamente o dinheiro virar mais dinheiro sem lastro no mundo real. O cassino avança e tudo se desmancha no ar... Só que não! rs Coisa que certamente faz o ressuscitado ficar puto da vida, mas ele engole o sapo... e dá-lhe $ para Ele jogar no cassino mundial!
E todos poderiam falar do perfil neurótico e perfeccionista do montador de carros, porém sua cidade-indústria se expandiu, deixou de estar circunscrita a distritos industriais, ganhou o planeta e até alguns satélites ao redor. A intercambiliadade, conceito da grande indústria para casar porcas e parafusos, ganhou a força do global sourcing. Todo lugar é fábrica, a linha de produção anda em caminhões, aviões, navios, caminhões, carros, motos, bikes, na casa das pessoas e na internet.
O homem unidimensional, apêndice da máquina, agora se encontra dentro das casas, das redes sociais, das igrejas e está pronto para consumir e repetir o que os patrões e robôs falam, teclam e mandam. Muitos deles sabem fazer conta, foram a universidades e são letrados. Porém tomaram a pílula azul e exercem o consentimento ativo.
As cidades, que já eram construídas para carros no século XX, agora são sucateadas, deletadas, resetadas e/ou seu “reconfig” está em transição para Google-Ford Cities embebidas em nanorrobôs tecnológicos, com muita especulação imobiliária e softwares pós-minecrafts que projetam casas e prédios. Tecnópolis está em processo de destruição criativa, metamorfose para os 1%. Toda relação técnica na produção reproduz relações sociais de produção, já diria um velho barbudo para um anarcopunk do século XIX... rs O que elas serão para os 99%? Qual parte da linha de produção será destinada aos pobres e miseráveis?
Enfim, Ford não pensou enquanto estava preso à carne viva que sua linha de produção poderia virar uma Matrix, com várias linhas, em colunas, em rede. E nem os filmes de ficção científica mais malucos trabalhariam com a ideia de uma classe social de 1% da população mundial, com suas empresas transnacionais, seus robôs, nanorrobôs e máquinas pudessem ter um mundo para muito além de “Admirável Mundo Novo”. Porém, se há algo em que nenhum rebelde se atentou é que a linha de produção é o centro nervoso do sistema e utilizá-lo o transforma em um consentido. E aí está o imortal Ford na cena.
Tecnologia não é neutra, é fruto de uma construção histórica e cultural e no capitalismo se tornou a essência para o seu desenvolvimento. E não basta toma-la, porque sem uma adequação sócio-técnica você se transforma em monstro. E isso significa que o seu reconfig pode não ser possível... A linha de produção foi o Ovo de Colombo, melhor, da serpente do Capitalismo e ela se reproduz como erva daninha para todo o canto. Um russo pergunta: O que fazer?
Aí fica a pergunta: como matar Ford?
Fontes e referências:
Burawoy, Michael. Manufacturing Consent, 1979.
Wachowski brothers - Matrix - filme
Chaplin, Charles - Tempos Modernos - filme
Exterminador do Futuro - filme
Marx, Karl - O Capital; A Miséria da Filosofia.
Dagnino, Renato. O fetichismo da tecnologia.
Huxley, Aldous - Admirável Novo Mundo - livro
Marcuse, Herbert - O homem unidimensional
Gramsci - cadernos do cárcere.
Braga, Ruy - precariado
Artigos/notícias
82% da riqueza gerada entre 2016 e 2017 ficou com a 1% mais rico - https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/01/22/estudo-desigualdade-oxfam-bilionarios.htm
Fortuna de bilionários brasileiros cresce 13% e chega a R$ 549 bilhões em 2017.
http://www.bbc.com/portuguese/geral-42762862
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