sábado, 11 de abril de 2020

Considerações sobre Kardec em relação à Ciência e a Religião

Escrevi esse texto para um curso sobre Espiritismo e decidi publicá-lo no Blog. Assunto polêmico, porém acredito que faça sentido numa ligação entre Ciência e Religião, algo tão polêmico em um contexto apocalíptico de Pandemia de Coronavírus...



EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

CAPITULO 1: NÃO VIM DESTRUIR A LEI ( Mensagem de FENELON/ 1861)



“Eu não vim destruir a Lei”

“1. Não penseis que eu tenha vindo destruir a lei ou os profetas; não os vim destruir, mas cumpri-los: porquanto em verdade vos digo que o céu e a Terra não pas-sarão, sem que tudo o que se acha na lei esteja perfeitamente cumprido, enquanto reste um único iota e um único ponto.” (Mateus, 5:17 e 18.)


Jesus Cristo, como bem destaca Kardec, não veio para mudar leis.


Conforme comentado em aula, os contextos e épocas vividas pelos judeus no Egito e sob o jugo romano na “Terra Prometida” são distintos.

Vivendo na escravidão, sob influência cultural egípcia, os judeus viviam na fome, miséria e ignorância. A repressão severa e os trabalhos pesados faziam um cenário em que a religião tivesse de ter afirmações diretas, assertivas, sem rodeios ou interpretações elaboradas.


Após todo o processo vivido para sair do Egito, inclusive com as sete pragas e a impressionante travessia pelo Mar Vermelho (não tenho como me esquecer do filme "Os Dez Mandamentos" para ilustrar o que tenho de impressões), Moisés viveu um período relativamente longo, com falta de alimentos, conflitos, desespero e descrença numa jornada que levou um tempo considerável.

Para colocar a "ordem na casa" para o povo hebreu em marcha para a Terra prometida, Moisés teve apoio de Deus e repassou leis: Os Dez Mandamentos. Curtos, diretos, assertivos, não permitiam interpretações distintas ou divagações. Os mandamentos são quase que auto-explicativos e num mundo de falta de educação, cultura e com muitas privações, foi uma maneira de gerar uma agregação cultural e unificação do povo judeu.

Para aquele contexto isso foi bastante adequado e até hoje se observa que os judeus conseguiram manter uma base cultural e unificação de esforços, mesmo ficando quase 2000 anos sem território, sem país oficial devido à Diáspora. O Holocausto, vivido na Europa a mando de um ditador, Adolf Hitler, que se proclamava "o novo imperador do Império Romano renascido no século XX", o III Reich, mostrou o quão forte são as Leis de Deus para aquele povo, que mantém forte influência na geopolítica mundial desde então.

A cultura muda conforme se sucedem os séculos e os mandamentos, de certa forma, se adaptam às mudanças. Um certo reacionarismo seria neste caso, um arcaísmo que seguiria um caminho de recuo das encarnações para contextos de gênero, orientação sexual e outros que não cabem na História. Logo, mesmo para os judeus, há a necessidade de novas interpretações para os Dez Mandamentos.

Ao nascer aonde os espíritos oriundos da emigração do Planeta Capela, Jesus escolheu estar entre os povos semitas em um contexto de imperialismo romano, herdeiro da cultura greco-romana, judaica e influência dos povos do Oriente. Numa terra que apresenta uma síntese cultural importante do Mundo (está próximo da África, Europa, Ásia Oriental) e próximo ao berço de religiões de matriz africana, Budismo, Cultura Muçulmana (posterior), entre outras crenças e credos, Cristo foi colocado em uma região que é nevrálgica em sua importância para a disseminação comunicacional em nível mundial.

Sua trajetória, retratada na Bíblia no Novo Testamento, foi exemplar no sentido da continuidade das leis de Deus e sua continuidade, para um nível de complexidade que exige a interpretação de discursos, falas, escritos e que cria, portanto, uma riqueza de elaborações para a elevação intelectual, moral e espiritual de todos e todas.

As mudanças contextuais de modos de produção, gerações, diferenças culturais demonstram um nível de pluralidade e de unicidade para que o Cristianismo pudesse atravessar milênios sob uma riqueza de elaborações, multiplicidades de interpretações e até erros, retrocessos, falseamentos da realidade e a utilização de fragmentos de falas e atos para manipular ou até falsificar o pensamento e as vibrações de Cristo.

Há, portanto, uma superposição de leis, valores, aprendizados entre Moisés, judeus e cristãos. Apesar das diferenças, é importante ressaltar a integridade dessas elaborações, até para fazer uma análise comparada com o Budismo, os Muçulmanos e outras religiões orientadas para o bem ao próximo e com similaridades com as cristãs.

Há um livro elaborado por Thomas Kuhn, “A estrutura das Revoluções Científicas” que trata de um conceito descrito como paradigma. Digamos que Moisés, para a cultura greco-romana, judaica e toda a gama de culturas cristãs, representa a base da cultura judaico-cristã. E sua base não é contrariada pelos paradigmas posteriores, é superposta. A teoria newtoniana é um exemplo disso, dado que a Teoria da Relatividade também a superpõe. Supera-a, porém em grande parte dos casos, as leis de Newton continuam válidas. Talvez com a diferença de que Jesus não tenha tido como intenção ser um avanço, uma inovação que transformou os mandamentos em um caso especial ou um objeto dentro de um conjunto mais amplo. Mas a generalização de Jesus transcende, de fato, Moisés.

Os ensinamentos de Jesus, portanto, criaram uma nova camada de ensinamentos, de leis, de estudos que significaram um aprofundamentos das leis de Deus, construindo uma superposição aos profetas e, claro, a Moisés, que continuou válido e atualizado, dado que questões culturais teriam de ser avaliadas para a conceituação de famílias, culturas, opções e orientações humanas que caracterizam a Humanidade em si.

Kardec considera isso que escrevi como algo que seria uma intersecção da produção científica com a religião, no caso com o Cristianismo. É o que tratamos na avaliação desse capítulo do Evangelho Segundo o Espiritismo.



Ciência e Religião

Kardec procura uma saída muito sábia, original e inesperada para sua época: a união entre a Ciência e a Religião.

Durante séculos a Religião sobrepujou a Ciência. O poder da Igreja Católica não podia sobrepujar o que o Vaticano pregava. E isso foi sentido por Galileu Galilei e era uma era de Obscurantismo, já que a suposta “Lei de Deus” não podia questionar os avanços científicos.

Contudo, a ciência não é neutra, é uma construção social e histórica. Até o modo de produção feudal, a Ciência foi obscurecida pela religião. Mas com a crise do feudos, a ampliação do poder econômico do burgos, a fragilização da nobreza, a emergência da Reforma e a reação da Contra Reforma, a Ciência começa novamente a ganhar impulso, dado por Copérnico, Newton e tantos outros.

No século XIX começou uma superação da Religião pela Ciência e a dialética hegeliana, da qual muitos intelectuais eram seguidores, inclusive Kardec, procuraram isso. A construção de uma síntese Ciência & Religião, é uma inovação, uma superação da tese (religião) e da antítese (Ciência). Destaco esse trecho:

‘’Os tempos são chegados em que os ensinamentos de Cristo devem receber seu complemento; em que o véu, lançado propositadamente sobre algumas partes desse ensinamento, deve ser levantado; em que a Ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, deve inteirar-se do elemento espiritual, e em que a Religião, não recebendo mais o desmentido da Ciência, adquirirá uma força inabalável, porque estará de acordo com a razão, não se lhe poderá opor a irresistível lógica dos fatos.”

Atualmente a Ciência está a serviço prioritariamente do Egoísmo. Os bilionários têm cada vez mais a sua produção, em detrimento de todos. É o que assistimos hoje, mesmo em um momento de epidemia mundial. O materialismo é predominante. Apesar disso, vemos conhecimentos produzidos para as Artes, Ciências Humanas, Biologia, Meio Ambiente, Medicina e que nos ajudam a superar aquilo que é feito para a acumulação de Capital e de poder. Estão mais propícios para uma interligação espiritual.



A interação do elemento espiritual na Ciência é algo que pode fortalecer o vetor das inovações para a solidariedade, o amor ao próximo, à Natureza e ao planeta. Lindas palavras escritas por Kardec no século XIX e que ainda permanecem como processo de luta no século XXI. E que estão muito longe de algo que acreditava que era forte em Kardec, o positivismo e o determinismo histórico. Mas este trecho do texto é holístico, para muito além de Comte e um lugar que confirma Hegel como guia. Até porque tudo que é material é uma construção social e histórica, não existe sem o Ser Humano e não é necessariamente compreensível em outros planetas.



Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. tradução Gentile Salvador. Araras, SP, IDE. 2008.

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