A situação em que vivemos lembra muito o que observei através de Antonio Gramsci. Estamos vivendo uma crise de hegemonia em nível mundial. Durante 100 anos, vivemos aquilo que o líder do PCI e intelectual das Cartas do Cárcere interpretou a partir do corifeu da teoria da práxis e que considerou a partir do Americanismo e Fordismo: a hegemonia dos EUA.
A hegemonia ianque não se deu somente pelo fordismo, que foi muito potente em si (ver mais aqui). A linha de produção influenciou Lenin, Stalin, Hitler, Mao Tse Tung e até Lula, que se assumiu como mais fordista do que comunista, o que é fato. Ela construiu para si uma indústria cultural, ou seja, uma elevação cognitiva e moral a partir de um intelectual orgânico coletivo capitalista, uma Hollywood, com Disney, Marvel, DC Comics Amazon e Silicon Valley agregada e que supera o domínio econômico da China. A Escola de Frankfurt fala com mais detalhes e afinco sobre isso.
Pelas características do império do Centro, que se fechou para metade da Humanidade durante séculos (se fechar para o desconhecido), não houve o predomínio do Oriente sobre o Ocidente. A China se tornará em breve o maior PIB do planeta, tem capacidade intelectual e mais de 1 bilhão de trabalhadores para movimentar a economia, porém não conhece o planeta e seus habitantes para comandar a Terra. Ver mais avaliações nesse artigo.
Os EUA tentam de todas as maneiras manter esse predomínio, dada a timidez oriental. Nesse sentido, o “quintal” rebelde dos ianques, a América Latina, teve muitas rebeliões desde os anos 1960: Cuba, Nicarágua, El Salvador, Brasil, Argentina, Chile, Venezuela, Bolívia, México, etc. As disputas nos anos 2010 foram uma defesa aos ataques ianques, que começam a mostrar ineficácia.
A decadência dos EUA está colocada na disputa pela hegemonia planetária. O poderio econômico da China não se concretiza em hegemonia porque os EUA têm poder bélico e sobretudo, cultural no planeta. E a crise hegemônica cria paradoxos em si. Ao contrário da transição do modo de produção asiático para o feudalismo, a mudança de dono, que antes saiu do Reino Unido para os EUA, como algo natural, de pai para filho, a transição é barulhenta, é um “bafão”, com questões básicas, naturais, essenciais, culturais, trazidas ao debate de forma brutal.
O nazifascismo, uma cria bestial do capitalismo, ressurge como tradição seletiva para o combate como uma apelação do adversário que não quer perder a disputa. Futebolisticamente, é aquele que não quer perder a partida e vai para além das regras do jogo, fazendo coisas proibidas, comprando o juiz, a FIFA, mas que não tem o domínio da bola, que passa a ser oriental, que não sabe muito daquilo que Maradona ou Garrincha sabem, até com as mãos de Deus.
A crise de hegemonia planetária é muito complexa. O império do Centro é poderoso, uma máquina de produção inestimável, para muito além do que Mao Tse Tung imaginava e cria oportunidades para vislumbrar o que Sun Tzu escrevia. Mas pelas suas características introspectivas, terá de ter uma multipolaridade planetária, como aquela esboçada pelo BRICs.
E como fica o Brasil nesta disputa? Fica nesse imbróglio. As elites locais, subservientes, sócias menores do Capital, como Caio Prado Jr e outro intelectual obscuro, um tal de FHC, tratou no século passado, fazem o país ser brecado, rechaçado e saqueado por bilionários do planeta, sem capacidade de crescer porque sua “classe dominante” não tem capacidade intelectual e moral para orientar uma política de desenvolvimento para o país e para o hemisfério sul.
O Brasil, pela sua empatia cultural mundial, pela sua estrutura ambiental e pela relevância cultural planetária, tende a ser um parceiro importante nesse processo. O reacionarismo subserviente se ergueu para além do que os bilionários lambe-botas dos EUA queriam e criam oportunidades para virarmos o jogo. Não será num passe de mágica, mas poderá acontecer.
Uma coisa que me irrita muito é que as pessoas querem resolver tudo por uma cultura ibérica. Não é preconceito, porque odeio a visão anglo-saxã. Mas aprendi na educação básica que Inglaterra e os EUA superaram Portugal e Espanha, que tinham muito mais $ do metalismo, através da produção, enquanto suas elites ficavam nas cortes e na exploração primária. O Brasil herdou isso em todos os níveis. O PT, por exemplo, culpa seus líderes pela ineficiência sistêmica, procura um fulano inexistente para botar toda a culpa sobre tudo que ocorre. E isso pode não ser correto, dada a impotência frente à correlação de forças planetária. Parece que a resposta emite perspectivas de curto, médio e longo prazo.
Para o longo prazo, precisamos orientar para o futuro, para a sustentabilidade, para a solidariedade, para um planeta que sobreviva com bilhões de seres humanos que não se autodestruam. Isso exige um planejamento estratégico que faça a concertação dos terráqueos em alto nível, periodicamente, para avaliar indicadores de ações tomadas mundialmente em todos os seus territórios, no tocante à produção, preservação ambiental, poluição, fome, miséria e tretas entre seres humanos devido à incapacidade de se suportar nas localidades. Um novo modo de produção é essencial para superarmos a barbárie.No médio prazo, as vitórias regionais na AL, rumo ao retorno do BRICS, a uma multipolaridade progressista. No nosso tijolo, retomar o governo brasileiro e orientar para uma respeitabilidade mundial, com preservação ambiental, societal e econômica, tendo a capacidade de estar no processo econômico enquanto gestor ambiental, tendo uma posição cultural relevante.
E, no curto prazo, articular interesses na classe trabalhadora e em grupos econômicos e políticos não alinhados a essa concertação feita pelos bilionários planetários em torno da potência econômica declinante anglo-saxã. Tarefa difícil, que me lembra a música do filme/série Missão Impossível, que materializará, ou não, o médio e longo prazo. Tem de ser além de contar garrafinhas, prejuízos ou culpar o outro sem avaliar os nós críticos e focar nos processos.
Não há solução mágica. Como Lula, Dilma e a classe trabalhadora ganharam dentro das regras do jogo e tornaram a burguesia local um freguês assíduo, os EUA entraram de sola, rasgaram regras e desmancharam os jogos. Os bilionários entraram no cenário e bagunçaram o coreto, trazendo contradições morais, religiosas, culturais, sociais e econômicas. Teremos de avaliar, articular interesses e fazermos novos jogos com os campos progressistas, setores afetados da burguesia (MPEs, intelectualidade de classe média), economia informal, solidária, agroecologia e afirmarmos orientações firmando novos consentimentos. Não será fácil, mas não podemos parar de lutar.
O Partido dos Trabalhadores, assim como os outros atores relevantes (PSOL, partes do PDT, PSB, PCdoB, MST, MTST, FLM etc) terão de reconstruir um bloco social, histórico, cultural e moral para enfrentar a conjuntura visando o médio e longo prazo, aprendendo com os erros de 2020 e reorientando para superar o bloco econômico decadente, fazendo o papel que lhe cabe, para o médio e longo prazo.
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