terça-feira, 21 de julho de 2015

A redução da velocidade nas ruas: Cronenberg explica!

REDUÇÃO DA VELOCIDADE NAS MARGINAIS DE SAMPA: SOU A FAVOR!

Decidi entrar neste debate por saber que as pessoas estão muito acostumadas a certas situações e saem por aí com sensos comuns e percepções que são repetidas à exaustão: "é a indústria da multa, é o governo se metendo na minha vida, não dá sequer para engatar a quarta marcha...".  E por aí vão os argumentos estapafúrdios feitos inclusive por parcela dos meios de comunicação.

Para não ficar numa teoria sem fim sobre a questão da tecnologia e sua relação com o Homem (e, claro, a Mulher), destaco um dos meus diretores de cinema favorito: David Cronenberg. A tecnologia é uma construção social e histórica. Ela não é neutra, incorpora valores sociais, políticos, culturais, só que incorporados internamente. Têm uma transcedência e podem ser incorporados inadvertidamente por outras civilizações e contextos.

Num dos vários filmes, "Crash",  Cronenberg (diretor de "A Mosca", "Gêmeos, Mórbida Semelhança", "Existenz") aborda a relação Homem - Máquina (ou será Homem x Máquina?), O diretor canadense trata da relação entre o artefato tecnológico mais relevante do século XX, o Carro,  e o Homem. Nesse caso, a "tribo" focada no filme relaciona o Sexo à velocidade e à sensação de vertigem provocada pelo acidente de trânsito. Vários deles relacionam os acidentes de trânsito à cópula, chegando aos orgasmos e à Morte.


Pois é, como dizia a propaganda da falecida VIMAVE: "Pois é"... rs A redução da velocidade em qualquer via causa um fuzuê, um xilique, porque aborrece aqueles que gostariam de andar a 100, 200, 300km/h em avenidas ou rodovias. Na era do Waze, do GPS, mesmo sabendo onde estão os guardas, os radares (que se convertem em lombadas eletrônicas), acusamos uma suposta "indústria da multa". Afinal, a velocidade final é reduzida e a "brochada" da freada gera um anticlímax para quem está acostumado a "voar" pelas avenidas. Ou simplesmente um xingamento, dentro de congestionamentos que nos levam a andar a 20km/h nas mesmas vias... rs

Vale a pena dar uma olhada em como os outros países estão tratando a questão da velocidade em vias públicas. Tem este relatório da ONU , está em inglês. Mas dá para entender... Lá pela página 265-7 ou 8 se nota que mesmo reduzindo a velocidade máxima nas marginais estaremos entre os países mais permissivos em termos desse limites. 

Outra questão é a falta de planejamento e de uma cultura prevenção na sociedade brasileira. Há centenas de milhares de acidentes de trabalho, muitos relacionados ao deslocamento do trabalhador ao local de trabalho, e mais de 30 mil pessoas morrem no trânsito atualmente. Há muitos trabalhos sobre isso nas Universidades e na Fundacentro ou no Ministério dos Transportes e em outros espaços de atuação e vejo que esse déficit cultural prejudica ações que certamente reduzem mortes e acidentes. Afinal, a redução de velocidade diminui impactos, choques e tem o potencial de reduzir a quantidade e a gravidade dessas ocorrências.

E a conta vem para o Estado, ou seja, para todos os cidadãos, sobretudo os mais pobres, que pagam mais impostos no Brasil. Logo, muitos têm de ver os custos das mortes, ferimentos, previdência social, além de custos de infraestrutura para bancar 40.000 mortes e centenas de milhares de feridos nas vias de rodagem do país todo ano. 

A histeria sobre o tema reflete, portanto, aspectos culturais, educacionais e fisiológicos ocasionados pela relação Homem x Máquina e que tornam o primeiro um apêndice do segundo: o Veículo Automotor ainda prevalece nas relações sociais, de classe, gênero, etnia e poder. Carro é status, quem não tem ou não usa é ralé... E quem não pode esnobar que anda rápido, voa e usa o seu carro para gerar adrenalina e mexer com os hormônios é um trouxa... 

Levará alguns meses para os dependentes do Carro verificarem que seu vício será reduzido. Tenho certeza que haverá quedas nos indicadores de acidentes com carros nas Marginais. Quem viver verá!


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